Uma longa caminhada
Peregrinar... Viajar... Presentear-se com uma longa caminhada por uma extensa trilha. Pode parecer estranho, mas é um presente, sim! Que cada um dá a si mesmo.
Numa longa caminhada dissolveu-se meu pequeno “cosmos”. E me recompus num cosmos pluralizado, bem globalizado. Peregrinar é mergulhar no seu “eu” mais verdadeiro, é medir os passos no compasso das suas forças... refletindo... pensando... meditando... resistindo... a cada minuto.
No peregrinar vamos nos despindo de excessos, das tralhas pesadas, das mágoas severas que apertam os dias. É nessas horas que o lar ganha os contornos gigantescos da grande morada, pois é então que redefinimos onde está nosso verdadeiro lar. É nesses dias que priorizamos os valores, os verdadeiros amores e os sinceros amigos, e largamos uns “laços” que nos atrapalham, que já não tem mais porquê.
Um peregrino se esquece das bolhas nos pés, do cabelo desfeito, da fome que aperta, dos atalhos errados na estrada da vida, dos dias errantes...
Caminhar por léguas, por milhas, no asfalto, nas trilhas... descobrindo uma nova flor... única no descampado, uma nova bromélia num velho tronco à beira da estrada. É ver na paisagem um novo desenho, nas montanhas um novo contorno, na atmosfera azulada um ar renovador. É perder-se por atalhos que levam, quem sabe, a uma amoreira ou a uma gruta de água fresca. É sentir-se pequeno. Feliz de quem por uns dias consegue livrar-se daquelas maquininhas que contam as horas... os minutos... os dias... e só contabilizar sorrisos nas faces e abraços calorosos.
Segui a trilha da esperança. Por vales áridos perdi meus passos... Sob chuvas esparsas nas tempestades de outono banhei-me aliviada... Com elas deixei submergir minhas angústias e preocupações vãs. Uma febrícula, vez por outra, avisava-me que os pés gritavam por um descanso. Uma saudade doída me deixava um nó na garganta cansada. Saudade de algo que se foi e de coisas que poderiam ter sido. Saudade, muitas saudades.
Peregrinar é perder seu orgulho e mergulhar nas fontes, sedento. Caminhar assim tão insistente com a mochila que pesa, e aos poucos, desfazendo-se de um montão de coisas: um casaco bonito que já não carece,... um anel de ouro que já não precisa, umas meias de nylon que já não se usa, acredite, é um grande aprendizado.
Peregrinar é buscar o mais puro: as alegrias verdadeiras, as palavras do pai, que já não vive, na voz de um ancião, um beijo do amor por telefone. Sentir-se tocado pela inocência de uma criança na janela a nos acenar. Daí que a gente puxa lá do fundo da memória as palavras de algum profeta pra suavizar as perdas. Daí que a gente quer as respostas de novos questionamentos que a vida nos impôs.
Que verdes pastagens eu vi!... Que lindos amanheceres e esplêndidos pores do sol!... Às vezes, me perguntava: afinal o que busco? Onde quero chegar? Pra quê tudo isso? Pra onde isso me leva?... Os doces e um café tinham o sabor de um banquete num dia faminto. Foi, então, que eu entendi o que era perder o olhar no horizonte... no completo vazio. Foi ali que eu soube das vozes e cânticos do silêncio. Ecoam doces melodias nos nossos corações em meio a uma trilha pedregosa ou num atalho na pastagem.
Ser acolhida por desconhecidos que nos abrem suas casas, seus lares simplórios, e ansiosos por um gole d’água saciamos a sede. Esse calor humano é inigualável e extremamente reconfortante. Encontrar um olhar e ganhar um aceno de um camponês envelhecido de ombro encurvado das lidas da vida faz com que busquemos e valorizemos a simplicidade.
Afinal, o que verdadeiramente importa?... Um vestido de organza e lantejoulas, jóias e festas, carros e mordomias?... Nada disso tem valor nenhum quando você atravessa o seu deserto. Sim, os fortes de coração um dia o deserto enfrentarão, possivelmente. A vida impõe.
E os acenos!... Ah! Os acenos!... Quantas mãos pelo caminho acenaram em despedida!... São tão especiais e tão inesquecíveis. Rostos rosados, faces morenas, olhos emocionados, mãos afetuosas, vestes coloridas, viúvas de preto, gente de todas as raças.
Lembro de um sino que soava ao meio-dia numa pequena vila junto a uma música clássica que me arrancou uma súbita emoção. Que momento lindo! Foi aí que eu lapidei minh’alma! Foi, então, que a fé foi tecida minuto a minuto, a fé fervorosa dos que acreditam em algo superior. Foi aí que construí a sapiência de que a fé remove todos os obstáculos e a certeza de que um ser superior nos governa. Poderoso e absoluto.
Então, voltei. Quão doce é o retorno ao lar!
____________________________________________________
Izabella Pavesi
________________________________________________________________________
Com esta crônica fui agraciada com "MENÇÃO HONROSA" no Concurso de Poesias e Crônicas da UBE/Canoas/RS em 06.03.2012.
Texto publicado na Revista INSIEME nº 160 - abril/2012 - em português e italiano, com o título "Peregrinar".
Menção Honrosa recebida no II concurso literário Intl. "Pensieri in Parole" - 2013, com o título "Peregrinar", da ACIMA - Ass.Cultural Intl. Mandala.
Peregrinar... Viajar... Presentear-se com uma longa caminhada por uma extensa trilha. Pode parecer estranho, mas é um presente, sim! Que cada um dá a si mesmo.
Numa longa caminhada dissolveu-se meu pequeno “cosmos”. E me recompus num cosmos pluralizado, bem globalizado. Peregrinar é mergulhar no seu “eu” mais verdadeiro, é medir os passos no compasso das suas forças... refletindo... pensando... meditando... resistindo... a cada minuto.
No peregrinar vamos nos despindo de excessos, das tralhas pesadas, das mágoas severas que apertam os dias. É nessas horas que o lar ganha os contornos gigantescos da grande morada, pois é então que redefinimos onde está nosso verdadeiro lar. É nesses dias que priorizamos os valores, os verdadeiros amores e os sinceros amigos, e largamos uns “laços” que nos atrapalham, que já não tem mais porquê.
Um peregrino se esquece das bolhas nos pés, do cabelo desfeito, da fome que aperta, dos atalhos errados na estrada da vida, dos dias errantes...
Caminhar por léguas, por milhas, no asfalto, nas trilhas... descobrindo uma nova flor... única no descampado, uma nova bromélia num velho tronco à beira da estrada. É ver na paisagem um novo desenho, nas montanhas um novo contorno, na atmosfera azulada um ar renovador. É perder-se por atalhos que levam, quem sabe, a uma amoreira ou a uma gruta de água fresca. É sentir-se pequeno. Feliz de quem por uns dias consegue livrar-se daquelas maquininhas que contam as horas... os minutos... os dias... e só contabilizar sorrisos nas faces e abraços calorosos.
Segui a trilha da esperança. Por vales áridos perdi meus passos... Sob chuvas esparsas nas tempestades de outono banhei-me aliviada... Com elas deixei submergir minhas angústias e preocupações vãs. Uma febrícula, vez por outra, avisava-me que os pés gritavam por um descanso. Uma saudade doída me deixava um nó na garganta cansada. Saudade de algo que se foi e de coisas que poderiam ter sido. Saudade, muitas saudades.
Peregrinar é perder seu orgulho e mergulhar nas fontes, sedento. Caminhar assim tão insistente com a mochila que pesa, e aos poucos, desfazendo-se de um montão de coisas: um casaco bonito que já não carece,... um anel de ouro que já não precisa, umas meias de nylon que já não se usa, acredite, é um grande aprendizado.
Peregrinar é buscar o mais puro: as alegrias verdadeiras, as palavras do pai, que já não vive, na voz de um ancião, um beijo do amor por telefone. Sentir-se tocado pela inocência de uma criança na janela a nos acenar. Daí que a gente puxa lá do fundo da memória as palavras de algum profeta pra suavizar as perdas. Daí que a gente quer as respostas de novos questionamentos que a vida nos impôs.
Que verdes pastagens eu vi!... Que lindos amanheceres e esplêndidos pores do sol!... Às vezes, me perguntava: afinal o que busco? Onde quero chegar? Pra quê tudo isso? Pra onde isso me leva?... Os doces e um café tinham o sabor de um banquete num dia faminto. Foi, então, que eu entendi o que era perder o olhar no horizonte... no completo vazio. Foi ali que eu soube das vozes e cânticos do silêncio. Ecoam doces melodias nos nossos corações em meio a uma trilha pedregosa ou num atalho na pastagem.
Ser acolhida por desconhecidos que nos abrem suas casas, seus lares simplórios, e ansiosos por um gole d’água saciamos a sede. Esse calor humano é inigualável e extremamente reconfortante. Encontrar um olhar e ganhar um aceno de um camponês envelhecido de ombro encurvado das lidas da vida faz com que busquemos e valorizemos a simplicidade.
Afinal, o que verdadeiramente importa?... Um vestido de organza e lantejoulas, jóias e festas, carros e mordomias?... Nada disso tem valor nenhum quando você atravessa o seu deserto. Sim, os fortes de coração um dia o deserto enfrentarão, possivelmente. A vida impõe.
E os acenos!... Ah! Os acenos!... Quantas mãos pelo caminho acenaram em despedida!... São tão especiais e tão inesquecíveis. Rostos rosados, faces morenas, olhos emocionados, mãos afetuosas, vestes coloridas, viúvas de preto, gente de todas as raças.
Lembro de um sino que soava ao meio-dia numa pequena vila junto a uma música clássica que me arrancou uma súbita emoção. Que momento lindo! Foi aí que eu lapidei minh’alma! Foi, então, que a fé foi tecida minuto a minuto, a fé fervorosa dos que acreditam em algo superior. Foi aí que construí a sapiência de que a fé remove todos os obstáculos e a certeza de que um ser superior nos governa. Poderoso e absoluto.
Então, voltei. Quão doce é o retorno ao lar!
____________________________________________________
Izabella Pavesi
________________________________________________________________________
Com esta crônica fui agraciada com "MENÇÃO HONROSA" no Concurso de Poesias e Crônicas da UBE/Canoas/RS em 06.03.2012.
Texto publicado na Revista INSIEME nº 160 - abril/2012 - em português e italiano, com o título "Peregrinar".
Menção Honrosa recebida no II concurso literário Intl. "Pensieri in Parole" - 2013, com o título "Peregrinar", da ACIMA - Ass.Cultural Intl. Mandala.