LIÇÃO DAS ESPIGAS

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

LIÇÃO DAS ESPIGAS

Esta lição foi-me dada bem antes dos fatos que acabei de contar, pois foi numa das minhas idas a levar comida pra Maria Marciana, que eu, no caminho de volta, caí na tentação de apanhar umas três ou quatro espigas de milho verde que se debruçavam por cima da cerca, tentadoramente, pra banda da estrada.

Devia ser dia vinte e um ou vinte e dois de dezembro, faltando, portanto, poucos dias pro Natal, e a expectativa pelos presentes era grande.

Eu cheguei a casa feliz da vida, já saboreando por antecipação as gostosas espigas de milho cozidas. Quando, porém, eu as apresentei pra mamãe, ela foi logo perguntando sem mesmo se dignar a olhar:

— De onde foi que trouxeste essas espigas?

— Ah, foi lá da roça do Seu Vitro — respondi todo contente.

— Quem foi que te deu? — tornou a perguntar

— Ninguém. ‘Tava caída pra banda do caminho, e eu apanhei e trouxe pra...

Ela não me deixou terminar. Esticou o braço na direção da casa do homem e bradou enérgica com o indicador em riste.

— Vá já lá devorvê tudinho pro Seu Vitro ou pra Dona Francisca, seu sem-vergonha! Não sei onde que eu tô, que não te passo uma surra bem dada, pra nunca mais tu fazê coisa parecida. Isso é roubo, meu filho, e no que é dos outros não se mexe.

Seu Vitro, como nós o chamávamos, era Seu Vítor Vieira, e sua casa ficava a meio caminho lá de casa ao rancho de Maria Marciana. Que vergonha chegar lá e confessar meu roubo. Mas eu tive que ir, pois eu sabia que mamãe iria se informar e desculpar-se com eles pelo mau procedimento do filho. Se eu pudesse me enfiar num saco... Mas cheguei e chamei.

— Ô Dona Francisca, ô Seu Vitro!

Foi ela, a dona da casa, quem me veio atender.

— Mamãe mandô que eu viesse devorvê e pedi descurpa pra senhora por eu tê apanhado estas espiga de milho dali da roça à beira do caminho.

— Ô meu filho, não percisava tê vindo cá não. Leva pra ti, leva. Diz lá pra tua mãe que fui eu que te dei — concedeu a boa mulher.

Nem me lembro se eu aceitei ou não o presente. Só sei que cheguei a casa feliz, pensando que o caso estivesse encerrado, mas não. Mamãe foi logo perguntando se eu tinha devolvido e sentenciou-me, com o dedo diante do meu nariz :

— Pra tu aprendê, de uma vez por todas, que no que é dos outros não se mexe, não vais ganhá nada no Natal, ouviste, seu sem-vergonha!

E não ganhei mesmo. Mamãe não era dessas mães que só ameaçam e não cumprem.