ANOS
Nasci ontem ao que me parece, era um pequeno ser que sentia o mundo a me envolver.
O aconchego nos braços da mãe, as brincadeiras ao lado do pai, vieram alguns anos e já sentia que o mundo não me envolvia, mas que se expandia a meu redor, o colégio, as cores, formas, letras e números, mais alguns anos, tudo ainda se expandindo a meu redor, as mudanças, primeiras paixões juvenis, primeira vez de mãos dadas, primeiro beijo, as festinhas nos sábados de tarde.
Mais anos se passaram o primeiro amor, a primeira mulher, o mundo parado a meu redor, faculdade, loucuras nos finais de semana que começavam às quintas-feiras, carros, mulheres, bebidas, música e o tempo ali parado, estático, então chega o trabalho, necessidade básica de subsistência, o labor diário pelo pão, pela casa, por qualidade e sonhos almejados.
Uma paixão, louca, sólida, quente, e em alguns anos o casamento, as filhas, o trabalho cada vez maior, mais pesado, as responsabilidades crescendo, o tempo não está mais parado, os anos passam em uma velocidade estonteante e quando nos damos conta não somos mais uma criança, a força está diminuindo, os cabelos já se foram há tempos, as filhas moças lindas, o tempo não para.
Vem os dias e passam como placas ao lado de um rodovia, uma rodovia de mão única onde não há retorno, para onde todas as vidas convergem, um ponto sem volta que a todos iguala, ricos e pobres, fortes e fracos, grandes e pequenos.
Anos eu quero vocês de volta, eu quero a juventude correndo em minhas veias, quero a leveza de uma cabeça jovem, quero meus cabelos de volta, quero meu tempo. Hoje sinto que estou perto de alcançar todos meus sonhos, sinto que os anos me trouxeram mais do que sonhei, mas sinto também um grande vazio, um buraco no peito, escavado, erodido pelos anos que ao passar tentava segurar junto a mim. Este atrito me deixou uma marca, profunda, negra, pesada e causa uma angústia profunda, uma vontade de ser novamente um pequeno menino no colo de minha mãe envolvido pelos seus doces afagos e pela voz terna e protetora de meu pai, sem me perceber das horas passando, dos anos chegando.
Como não há mal que para sempre dure, esta angústia geralmente logo passa, no sorriso de uma filha, no abraço da esposa, na alegria de uma família unida. Mas ao cair da noite, sob as estrelas em algum lugar ela espreita e sempre volta, como uma voz repetindo em tom quase inaudível mas sempre presente e repetitivo; - tic tac tic tac tic tac...
* Num momento de saudade ao completar mais um ano de existência...