PEDAGOGIA DO PUXÃO

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

PEDAGOGIA DO PUXÃO

A casa da escola, onde alguns dos meus irmãos mais velhos, o Paulo e eu aprendemos o beabá, ficava no outro lado do rio. Era uma sala anexa à residência da professora, Dona Cristina. Pra chegar até lá, tínhamos que atravessar a cachoeira e o rio. Através da cachoeira, íamos por uma pinguela ou, quando dava passe, por dentro d’água mesmo. Através do rio, íamos pela ponte de arame, que era tanto pênsil quanto pensa e nem tinha telas de proteção laterais. Por isso oferecia pouca segurança aos usuários, principalmente quando se enchia de crianças que se punham a balançá-la imprudente e perigosamente.

Era uma escola isolada, e a pobre professora lecionava pro primeiro, pro segundo e pro terceiro anos ao mesmo tempo.

Eu sempre tive verdadeira predileção por ela, mas depois que virei professor, passei a admirá-la ainda mais. Às vezes eu ainda me pergunto como é que ela conseguia ensinar simultaneamente pra três turmas diferentes. Devia ser uma barra pesada! Se bem que ela não dava moleza não. Se bobeasse, a régua zunia, fazendo a mão chiar.

O que eu guardo mais vivo na memória desse tempo é o método pelo qual eu aprendi a multiplicação por dois algarismos. A professora explicou, explicou, e eu nem aí. Envolvido com outra coisa, não lhe dei a mínima atenção. Depois ela passou uns exercícios no quadro e foi cuidar das outras turmas.

Conta uma lenda que o nosso Apóstolo dos índios, o Beato Padre José de Anchieta, era de aprendizagem lenta, mas um dia ele rezou pra Virgem Maria, pedindo que o ajudasse a aprender, e sentiu então um estalo na cabeça, e partir daí sua inteligência se iluminou.

Pois comigo não houve estalo porque minha orelha resistiu.

Quando a professora passou pela minha carteira e viu que eu nada tinha feito dos exercícios propostos, não disse um a. Apenas levantou-me devagarzinho pela orelha esquerda e tornou a baixar.

Parece mentira. Mas quando eu me vi sentado novamente e com a orelha inteira já sabia multiplicar por dois algarismos, assim, sem explicação alguma. Esta é que é a tal pedagogia do puxão.