O ORVALHO DA ALMA
Encharcado por: Angelo Magno


 
A chuva caía lentamente se arrastando pelas copas das árvores, suas gotas, pousando preguiçosamente pelas pétalas das rosas, eram o convite perfeito para que o dia passasse vagarosamente, prolongando a senda daquele coração encharcado em solitude.

Ela estava sentada no penúltimo degrau da escada da varanda com as pernas longamente esticadas para que a cascata artificial do telhado lhe banhasse os pés. A orvalhada fria gelava o corpo e a alma, tanto pelas gotas que caiam sobre sua pele quanto pela torrente saudade do capitão, o que a fazia pensar que chuva, nem de longe, pode ser água, já que água é incolor, inodora e insípida, enquanto chuva tem cor de inverno, cheiro de mato e gosto de reclusão.

Eram tempos de guerra, e para ela, a necessidade de exército repercutia diretamente em solidão. Três meses haviam sido afogados por dias inteiros de lembranças e saudades. Sozinha naquela casa sobre a serra, aos pés do céu, a esperança era sua única confidente. Das conversas dos empregados, as notícias da guerra chegavam aos pedaços, trazidas a reboque das idas à cidade para compras e vendas.

Apesar da dor da distância e a incerteza dos fatos, sua imagem era da esposa daquele que, certamente, traria a vitória para aquele povo que ansiava muito o fim da guerra – mas não tanto quanto ela. Isso tudo lhe implicava um medo intangível. Se a guerra fosse perdida, provavelmente, também seria perdido seu amor. Um capitão derrotado é o mesmo que um homem morto.

Mas enquanto a guerra não findasse e as notícias se escondessem o melhor a fazer era deixar a chuva molhar dos pés ao coração.






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Angelo Magno
Enviado por Angelo Magno em 06/03/2012
Reeditado em 22/03/2012
Código do texto: T3538168
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