Eternamente crisálida

Bem agora, quando se preparam para comemorações de uma data que alguns homens armaram só para nos convencer, fico pensando na minha condição de mulher. Não me identifico com essas homenagens tolas, com esses chavões que inventam para adoçar nosso ego, como se precisássemos ser reconhecidas por algo que somos naturalmente: mulheres.

Cada uma de nós é cada uma, com sua individualidade, propriedade e identidade própria, lutando para emergir na liberdade do ser, enquanto a pressão do cotidiano nos puxa para o fundo, tentando afogar nossa essência em padrões rigorosamente iguais. Eu não tenho que viver segundo os padrões de ninguém. Posso segurar as rédeas da minha própria vida e não ser nada daquilo que esperam que eu seja, para ser realmente feliz.

No entanto, na maioria das vezes, tive que soltar as rédeas, para não sair do curso da felicidade de outros que dependiam de mim. Fui feliz, como todo ser humano é, quando consegue promover a alegria do outro ou ajudá-los a realizar seus sonhos. Mas, quantos dos meus eu tive que abrir mão para que esses se realizassem. Estão ainda, guardados nas minhas gavetas do tempo, cheirando a mofo, mas esperando a hora de um dia serem expostos ao sol e quem sabe, talvez me verem finalmente caminhando ao seu encontro para vê-los realizados. Vamos ver se a vida vai me dar tempo.

São escolhas que a gente faz. Ninguém nos obriga, mas a gente tem essa mania de ouvir um eco que vem lá de dentro, que dizem, são falas do coração. Quero ficar surda a esses ecos de agora em diante. Vou assinar minha carta de alforria e me libertar desses grilhões que me prendem em vidas que não são minhas e vou finalmente viver do jeito que sempre sonhei e que nunca vivi. Vou mesmo, vocês vão ver. Vou ser mulher de verdade, sem medo. Vou libertar meus desejos, abrir a porta da frente da minha casa e sair finalmente para a liberdade da vida, que sempre me esperou lá fora e eu nunca fui ao encontro. Só falta um pouquinho... Estou arrumando as malas. Numa vou colocar as lembranças, na outra a saudade e na outra a esperança, que é a riqueza que levo para pagar as despesas. A viagem não tem data de volta marcada, não tem destino definido. Vou por aí, uma crisálida, finalmente abrindo as portas do casulo, pronta para ensaiar o voo da liberdade pela primeira vez. Só espero que minhas asas ainda estejam fortes o bastante para enfrentar o vento e vestidas de cores que encantem os olhos de quem me ver passar. E que nada atravesse o meu caminho, antes que minhas asas se abram, condenando-me a morrer ainda crisálida, e o que é pior: lembrada para sempre como crisálida...

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 05/03/2012
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