Entardecer do amor (No more I love you's)
Ygor da Silva Coelho
Era um restaurante fino, onde nada faltava para um belo jantar. Mas naquela noite de sábado eu não estava animado para muita conversa e me distraía olhando em volta.
Um casal sentou numa mesa próxima à minha, ela uma senhora elegante e bonita. Será que tem 65 anos? Eu me peguntava. Mais? Hoje com o avanço das plásticas as marcas do tempo são tão atenuadas! Bem maquiada, usava um vestido que lembrava sutilmente pele de onça e as pulseiras, reluzentes, davam-lhe um certo ar de nobreza. Apesar de tudo, o semblante fechado foi o que mais chamou a minha atenção.
O senhor que a acompanhava deve ter sido um galã quando jovem. Provavelmente acima de 70 anos, muito bem vestido, muito alto, forte, cabelos lisos grisalhos, bem penteados. Apreciava e comia ininterruptamente o seu couvert, acompanhado de uma garrafa de vinho. Chamou-me a atenção uma segunda garrafa de vinho tinto, que ele tomou rapidamente. A mulher continuava calada, estática, frente ao senhor, que tudo indicava ser seu marido. Silêncio sepulcral entre eles. Ouvi dela duas vezes "obrigada", quando o garçon trouxe os pratos e quando encerraram a conta. Dele nada ouvi, apenas via o movimento das mãos. Ao saírem, ela, silêncio total, seguiu na frente. Ele, vermelho pelo vinho, bem atrás. Gestos indelicados para quem tem aparência tão nobre!
Minhas reflexões avançam e eu imagino o bonito casal que formaram no passado, trocando juras eternas de amor e I love you's. Penso no belo Mercedes que o manobrista certamente lhes trará na saída do restaurante. Imagino a chegada muda dos dois a um belo apartamento, em sofisticado bairro da cidade. Mudos devem se arrumar para dormir, já que passa da meia noite. Ele ébrio por causa do vinho, ela certamente condenando, em seu íntimo, o excesso de bebida. Acomodam-se em camas separadas, ou distantes um do outro numa king size, cada um para o seu lado. E, depois de um jantar macabro, repousam enquanto nasce outro dia de silêncio, distanciando ainda mais a fase romântica, que o tempo apagou lentamente como uma brisa. Primeiro a paixão, depois o amor, depois o carinho. Instalou-se a indiferença até o dia do silêncio final. No more I love you's...
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P.S.: Ah, sim,meu prato foi ótimo! Medalhão com fettuccine ao funghi.
Ygor da Silva Coelho
Era um restaurante fino, onde nada faltava para um belo jantar. Mas naquela noite de sábado eu não estava animado para muita conversa e me distraía olhando em volta.
Um casal sentou numa mesa próxima à minha, ela uma senhora elegante e bonita. Será que tem 65 anos? Eu me peguntava. Mais? Hoje com o avanço das plásticas as marcas do tempo são tão atenuadas! Bem maquiada, usava um vestido que lembrava sutilmente pele de onça e as pulseiras, reluzentes, davam-lhe um certo ar de nobreza. Apesar de tudo, o semblante fechado foi o que mais chamou a minha atenção.
O senhor que a acompanhava deve ter sido um galã quando jovem. Provavelmente acima de 70 anos, muito bem vestido, muito alto, forte, cabelos lisos grisalhos, bem penteados. Apreciava e comia ininterruptamente o seu couvert, acompanhado de uma garrafa de vinho. Chamou-me a atenção uma segunda garrafa de vinho tinto, que ele tomou rapidamente. A mulher continuava calada, estática, frente ao senhor, que tudo indicava ser seu marido. Silêncio sepulcral entre eles. Ouvi dela duas vezes "obrigada", quando o garçon trouxe os pratos e quando encerraram a conta. Dele nada ouvi, apenas via o movimento das mãos. Ao saírem, ela, silêncio total, seguiu na frente. Ele, vermelho pelo vinho, bem atrás. Gestos indelicados para quem tem aparência tão nobre!
Minhas reflexões avançam e eu imagino o bonito casal que formaram no passado, trocando juras eternas de amor e I love you's. Penso no belo Mercedes que o manobrista certamente lhes trará na saída do restaurante. Imagino a chegada muda dos dois a um belo apartamento, em sofisticado bairro da cidade. Mudos devem se arrumar para dormir, já que passa da meia noite. Ele ébrio por causa do vinho, ela certamente condenando, em seu íntimo, o excesso de bebida. Acomodam-se em camas separadas, ou distantes um do outro numa king size, cada um para o seu lado. E, depois de um jantar macabro, repousam enquanto nasce outro dia de silêncio, distanciando ainda mais a fase romântica, que o tempo apagou lentamente como uma brisa. Primeiro a paixão, depois o amor, depois o carinho. Instalou-se a indiferença até o dia do silêncio final. No more I love you's...
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P.S.: Ah, sim,meu prato foi ótimo! Medalhão com fettuccine ao funghi.