MENINO NO BICO DA GARRAFA

Dona Maria Felix, minha saudosa “Vó Fela”, mãe de minha mãe Flaviana, era uma figura folclórica do Tabuleiro Grande, depois Arraial das Traíras, depois Cedro e hoje Caetanópolis, naquelas bandas de Sete Lagoas/MG.

Viúva logo cedo (seu marido morreu afogado), criou os cinco filhos no sustento garantido por sua máquina de costura, tremenda costureira que era, fazendo desde paletós e calças pra homem, camisas e roupas pra meninos, saias, blusas e até vestidos de noiva pras mulheres do Cedro e adjacências. Aliado a isso, era uma “raizeira” de mão cheia, aprontando suas garrafadas com as ervas e folhas catadas no cerrado, unha-de-tatu, cipó cabeludo, cai-na-lama, carqueja, assa-peixe, etc. Para todo o mal ela tinha um remédio na ponta da língua e dos dedos, hábil manipuladora das espécies vegetais que caçava no mato. Socava as raízes no pilão em fazia as garrafadas, atendendo e curando todos os que procuravam os seus remédios. Tinha gente que vinha de longe pois sua fama já extrapolara aos limites do Cedro. Ela curava até blenorragia! ...

Quando eu me casei, minha sogra, Dona Geralda, falou brincando comigo:-

“- Olha aí, Betinho, a sua mulher tem útero infantil, sabe? Ela não pode ter filhos!...”

“- Mas que diabo é isso, minha sogra?... Quem falou?...”

“-Bom, foi um medico lá da minha terra, Ituiutaba, quando ela era mais mocinha e andava com uns problemas de menstruação. Tou falando pra você casar já sabendo!...”

Mas sabem como é, né? Nessa altura já estávamos apaixonados, “roxos pra dar uma casada“, como se diz no interior mineiro, de forma que nem estávamos ligando para esse “pequeno detalhe”. A noiva preparou seu enxoval, eu aluguei apartamento (já morava em São Paulo, capital), comprei os moveis e marcamos o casório. E no dia 04/05/1963, às dezoito horas, adentramos a igreja matriz de Santo Afonso da Renascença, em Belô, saindo de lá já como marido e mulher, embarcando à noite com destino à capital paulista para começar nossa vida a dois.

Passou-se o primeiro mês e ... nada de gravidez. Ambos desejávamos o primeiro filho com ardor. Veio o segundo mês e ... nada! Na segunda quinzena do mês seguinte fomos passar um feriado prolongado em Belo Horizonte, ocasião em que minha Vó Fela estava na capital mineira, vindo do Cedro. Minha deve ter falado com ela sobre nossas tentativas para engravidar, pois minha avó foi pro mato e voltou com braçadas de raízes e folhas, enfurnando-se lá no barracão dos fundos do quintal. E danou a socar, triturar e depois a macerar numa garrafa, em vinho caseiro, o produto final.

Quando, alguns dias depois, eu e a Maria Mari fomos à casa da minha mãe para as despedidas, minha Vó Fela veio de lá com um sorriso maroto nos lábios, abraçou e beijou minha mulher e lhe disse baixinho:-

“- Olhe, minha filha, leve e tome um cálice por dia na hora do seu almoço! No bico desta garrafa tem uma criança, viu?...”

Foi dito e feito, pois no mês seguinte a menstruação não veio e minha mulher engravidou do nosso primeiro filho, o Cássio! Coisas da minha inesquecível Vó Fela! ...

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B.Hte., 11/09/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 04/03/2012
Reeditado em 31/01/2013
Código do texto: T3534479
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