UM OLHAR DE DOMINGO... Carona em Chico Buarque.


Tem domingos que a gente precisa desse olhar. Do olhar de quem observa pela janela do seu apartamento e não se desespera com a selva de pedras que lhe rodeia. Nem tampouco vive a se lamentar como se a vida só tivesse sido "ontem"... Tem domingos que a gente, de posse do seu próprio olhar, se vê em cada mudança que ainda não veio, em cada amor que ainda não chegou. Tem domingos que a gente também pode recordar. Da mesma forma a gente pode ter saudades dos que por nós passaram e deixaram marcas, ou não. Dos que não conseguiram deixá-las, a gente tem mais motivos para não se desesperar, exatamente porque nós deixamos marcas por onde passamos. Marcas boas, preferentemente. Tem domingos que a gente precisa mesmo buscar esse olhar. Olhar perdido na imensidão da vida por ela mesma subtraída ou somada. Porque esse é o viés da multiplicação do afeto. Sabê-los subtraídos, somados, nos conduz a reapropriação do sentir em cada pequena coisa que nos reste inteira, apesar de tudo. Tem domingos que a gente não quer família por perto. Nem quer ir ao parque dar "pipoca aos macacos"; a gente quer mesmo nada querer por absoluta decisão nossa. Porque tem domingos inteiros que são decisões dos outros e a gente curte, mas hoje não. Hoje, domingo, eu prefiro o olhar de quem se perdeu na mudança entre o tempo e a temperança. Porque eu não quero nunca que um domingo chegue sem que dentro de mim tenha missa, tenha música lenta incidental para que o meu olhar não seja solitário como as paisagens em noite de frio... Por isto eu quero esse olhar de esperança no que a vida sempre oferece pra mudar e nos mudar para que possamos permanecer os mesmos.