A mangueira

Quando eu era criança morava em uma rua pacata de cidade do interior. Perto de casa, havia um terreno baldio, e nele uma enorme mangueira.

Não me interessava quem era o dono do terreno, mas o pé de manga, este era meu e da molecadinha lá da rua.

Chegava da escola, era o tempo de almoçar, tirar o uniforme e ir brincar debaixo daquela árvore imponente, de sombra majestosa, cuja copa ultrapassava em altura todas as casas do bairro. Só ia embora, muitas vezes sob ameaças: “Desça daí e venha estudar para a prova de amanhã!”, ou “Venha tomar banho, seu pai está chegando e você sabe que ele não gosta de te ver na rua!”.

Da mangueira, nós crianças, aproveitávamos tudo. Suas raízes viravam desde móveis de nossos palacetes imaginários, trilhos que conduziam o trem, cujos vagões eram caixas de papelão, que nos levavam a viagens fantásticas, que duravam uma tarde inteira.

Quando a terra firme tornava-se sem graça, íamos para os galhos. Fazíamos deles desde um simples balanço, até um condomínio vertical, com síndico e tudo. Os últimos galhos era a cobertura. Embora parecesse perigoso, para nós eram sempre motivo de disputa. A decisão de quem ficava com a melhor localização era feita através de uma corrida. Quem chegasse lá primeiro, levava. O reinado era curto, durava só até a mãe de alguém, geralmente a minha, ver a cabeça de um morador ultrapassar as últimas folhas e vir gritando para que a gente descesse.

Só não subíamos durante a florada, e quando as frutinhas ainda estavam frágeis. Nesta época, nos contentávamos em brincar na sombra.

Quando as primeiras mangas começavam a ficar comestíveis já partíamos para a comilança. Dizíamos que estavam “de veiz.” Quase nos empanturrávamos comendo manga com sal. Com os galhos liberados, nossas mães agora tinham uma outra preocupação. Além de tudo, havia agora algo mais perigoso ainda. Acreditavam que a mistura de manga com leite, podia levar a morte em poucos minutos. Ouvíamos atentos a mesma história todos os anos, de uma criança, sobrinha da vizinha de uma conhecida lá da rua que veio a óbito depois de fazer a tal mistura. Era marcado no relógio o tempo. Uma hora depois do copo de leite, aí estaríamos liberados.

No começo, havia fruta à vontade, mas como o terreno era aberto, vinha gente de longe buscar, nem esperavam elas madurarem direito. Não me lembro de ter experimentado nada tão doce, de uma textura tão agradável quanto às mangas daquele pé.

Lá por perto havia outras árvores, inclusive outras mangueiras, mas aquela era especial. Era a única das redondezas que dava manga em forma de coração.

Vivi a minha infância inteira naquela casa, e passei grande parte dela debaixo ou em cima daquela árvore.

Passei pela minha antiga rua, outro dia. Nossa árvore, não mais existe. Em seu lugar construíram um supermercado.

Sempre me entristeço quando vejo uma árvore cortada, principalmente mangueiras...

Meire Boni
Enviado por Meire Boni em 01/03/2012
Reeditado em 02/03/2012
Código do texto: T3529504
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