E amanhã?
Toda manhã, o ônibus percorre o mesmo trajeto, as mesmas pessoas embarcam e cada uma daquelas vidas começa a ser tornar parte da minha. Cada pedacinho de existência vai acordando para um novo dia, as janelas começam a ser abertas para respirar a brisa da manhã e o movimento vai ganhando as ruas: trabalhadores apressados na incessante corrida contra o tempo. O mundo desperta para mais um dia no ano do fim do mundo e a vida vai passando cada vez mais depressa diante dos nossos olhos.
Em determinado ponto do meu trajeto matinal, a mesma cena se repete diariamente: a mãe que precisa trabalhar e deixa o filho pequeno em casa com a avó. Pela janela do coletivo urbano, vejo todos os dias a mãe esperar o ônibus dobrar a esquina para ir até a parada. Ela fica o máximo que pode com o filho no colo, até o derradeiro momento em que o deixa aos cuidados da avó no portão e sai correndo até o ponto de embarque para não perder o transporte. Nem sempre isso é suficiente para evitar o choro do menino, que, pudera, não entende porque a mãe precisar ir. Talvez, o propósito dela não seja salvar as lágrimas daquele rostinho inocente, mas apenas passar o maior tempo possível experimentando o gosto doce do maior amor que o mundo já viu.
Aquela criança que eu vejo todas as manhãs a caminho do trabalho me lembra a vida em sua essência mais pura: tem dias em que choramos pela despedida — mesmo que seja um “até logo” —, tem dias em que ficamos alegres por ter tido aquela pessoa em nossa vida, ainda que por pouco tempo. O humor instável do menino é o retrato do nosso cotidiano: um dia da caça, outro do caçador. Não é possível ser feliz o tempo todo, estar sempre sorrindo e de bem com o mundo. Choro, indignação, revolta, tristeza: tudo isso faz parte do ser humano.
Eu entendo o menino: quem disse que é fácil deixar alguém ir embora quando queremos que ele fique? Quem disse que é possível conter o choro de uma saudade, de um coração partido pela distância, de um afastamento abrupto? Não, pequeno amigo, a vida não é fácil. Amanhã, nos encontramos novamente: eu, da janela do ônibus; você, do portão da sua casa; cada um com suas preocupações e emoções. Fico curiosa para saber se amanhã você vai chorar ou abanar alegremente para sua mãe do outro lado da rua. Honestamente? Eu lhe invejo! Você tem a liberdade de expressar aquilo que sente sem medo algum: chora quando tem vontade, sorri quando tem vontade, extravasa exatamente o que está sentindo. Diferente de mim, do passageiro do banco ao lado, de todos que passam os dias calando sentimentos, reprimindo desejos e emoções, e se dando ao luxo de dizer que “vive”.
Enquanto isso, o tempo vai escorrendo pelos dedos, o dia vai amanhecendo e nós seguimos: cultivando ilusões e semeando promessas, vivendo um dia de cada vez, buscando um motivo que faça escorrer um pingo de sensibilidade em meio à estatização dos sentimentos. E não é todo dia que conseguimos…