Aniversário do Rio de Janeiro
 
 
 
 
                         Hoje, primeiro de março, aniversário da cidade do Rio de Janeiro, sem dúvida a cidade mais atraente do planeta. Uma  questão de carisma, o que se há de fazer?                          Em termos de cidade, 447  anos correspondem exatamente a 18 anos de vida de uma pessoa. Como eu sei ? – Não sei, mas acho que é, pelos meus cálculos cabalísticos. No caso, uma moça no auge de sua beleza, imatura é certo, porém com um futuro que promete muito, promete até a felicidade. Por isso me embalo nesse sonho bom e perambulo pelas suas ruas da zona sul, já que o cronista “maldito” Nelson Rodrigues de há muito decretou que o verdadeiro Rio é a zona sul, Catete, Largo do Machado, Botafogo, Copacabana, Ipanema e Leblon, nesta ordem mesmo!
                         Contava o Nelson, não sei se conversando com o “Sobrenatural de Almeida”, em dia de jogo do Fluminense no Maracanã lotado, tanto de vivos quanto de tricolores falecidos, que quando saía do Túnel Novo, em Copacabana, rumo ao centro da cidade e se dirigindo para o Méier, já começava a sentir saudades do Rio de Janeiro...
                         Ando a pé e de bonde. O Rio de Janeiro na sua meninice não era nada sem o bonde. Tenho muita pena das novas gerações que não conheceram o bonde. Podem ter uma idéia muito pálida olhando para os bondinhos de Santa Tereza, mas isso é muito pouco, os bondes, com o condutor e o motorneiro, eram bem maiores, vistosos e cheios de propaganda, como aquela que não me sai da memória, de tanto ler diariamente: “Veja ilustre passageiro o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado, no entanto acredite quase morreu de bronquite. Salvou-o o rum creosotado!
                         Me vejo no Tabuleiro da Baiana e já vou pegando o bonde nº2, Laranjeiras, poderia ter pego o 14, General Polidoro, via túnel velho. Mas quero é ir até o Cosme Velho, no fim da linha e depois, voltando, saltar no Largo do Machado.                          Começo a andar pela rua do Catete, no “frege”, como apelidou meu pai, por não ter o charme de Copacabana. Ando em direção à rua Marquês de Abrantes, pois quero ficar na fronteira entre o Flamengo e Botafogo.
                         Paro no início da praia de Botafogo e lá está o Educandário Ruy Barbosa, um colégio que era o refúgio dos maus alunos. Lá foi parar o Agildo Ribeiro, que tinha sido gentilmente convidado a deixar as dependências do Colégio Militar, na Tijuca, por absoluta incompatibilidade de gênios entre o Agildo e os sisudos generais.
                         Contou o próprio Agildo que no Ruy Barbosa, que já não existe há muito tempo, era impossível ser reprovado, nem que o aluno tivesse “pistolão” pedindo para ser reprovado. Ninguém, mas ninguém, mesmo, conseguia ser reprovado. Vejam como são as coisas: já naquele tempo havia algum pedagogo contra a reprovação e defendia essa tese radical: reprovar, nunca! aprovar,sempre, mesmo que para isso o professor morresse de vergonha
                         .A sonoridade desta tese até faz lembrar o lema do grande General Rondon, mas às avessas. Mas deixa pra lá. Ao lado do Ruy Barbosa, o duríssimo Colégio Andrews, com o ensino de inglês obrigatório e pedagogia oposta, só passava quem sabia.
                         Prosseguindo com meu devaneio chego bem em frente à casa Sears, prédio americano, de quatro andares, onde se vendia roupas, sapatos, móveis de sala, de quarto, apetrechos de cozinha, cama e mesa, brinquedos. De tudo um pouco. Era a primeira loja com escada rolante e ar condicionado do Rio de Janeiro.                          Agora, titubeio e não sei se continuo pela Praia de Botafogo e viro à direita, pegando a rua São Clemente e passando em frente à casa do grande Ruy Barbosa, com todo o respeito, ou, ao invés de dobrar a direita, sigo em frente e vou para a Urca. Mas logo me sinto atraído para dar um pulinho em Copacabana e assim entro na São Clemente, lá na frente dobro para a esquerda pegando a rua Real Grandeza. Vou toda vida nela, entro no túnel velho e saio na rua Santa Clara. Para a direita iria para o Bairro Peixoto.
                         Sigo em frente e me vejo na rua Nossa Senhora de Copacabana.                          Agora é só virar à direita, passar pela Galeria Menescal e entro nas lojas brasileiras. Fecho os olhos e lá estou eu com meu amigão de colégio, o Luis Carlos, no segundo andar da loja, saboreando um Sunday Copacabana, com calda de chocolate. O Dal, apelido do Luis Carlos, era um menino rico, cheio da nota, enquanto minha fortuna se resumia a um cruzeiro por dia, que mal dava para pagar o bonde, ida e volta do colégio. Mas ele me dava uma colher de chá, vamos chamar assim. O ritual era o seguinte: O Dal pedia o Sunday com duas colheres. Me avisava logo: - você pode comer junto comigo, mas só até a metade do copo, chegando na metade você para e eu continuo sozinho. Eu nem respondia, pra mim já estava bom demais, só o que me chateava um pouco é vê-lo saborear sozinho o finalzinho do sorvete, com aquela calda de chocolate que ele nunca me deixou provar, mesmo que junto com ele
                         .Naquele Rio Moleque nem tudo era cor de rosa. Às vezes era chato, mas era bom...

                          Esta crônica fiz há dois anos e o meu amor desmedido pelo Rio me faz republicá-la. Mas hoje vou incluir mais alguma coisa sobre o carioca. Antes de mais nada, dizer também que carioca não é só o que nasceu no Rio, mas todo aquele que vive na cidade, inclusive estrangeiro, desde que adotem o espírito carioca. Ser carioca é um estado de espírito.
                           Como meus amigos sabem, tenho dupla naturalidade e cheguei nesta carismática cidade aos cinco anos de idade, com minha vida toda por aqui. Não posso ser outra coisa, senão carioca! Estudei, me formei, me casei, tive duas filhas cariocas e minha única irmã também nasceu no Rio. Nasceu na Pro-Mater, em Santo Cristo, bairro proletário, do jeito que meu pai gostava. Nasceu em bairro humilde, bem pobre!
                             Infelizmente, as capitais brasileiras se tornaram megalópoles, cuja consequência fatal foi a desumanização das cidades. Mas é sempre bom relembrar que conhecemos o carioca de longe. Pela sua informalidade, principalmente. O carioca não consegue ser formalista. No meio da multidão, ele solta  a piada certa e desconcerta todo mundo. Parece que o carioca está sempre num boteco, num pé sujo batendo aquele papo informal entre os amigos. Ele pode ser Ministro, Professor de Faculdade, rico, mas não tem jeito, ele vai andar descalço, vai se abrir com você como se fosse amigo de infância, vai lhe dar tapas nas costas. E, o mais notável, acabou de conhecer você e já lhe leva para a casa dele!
                             Essas características foram se perdendo, em razão da superpopulação, mas posso afirmar que  o carioca ainda teima em ser carioca...