O que eu não vi, meus amigos e amigas
Montaigne, o filósofo francês, conhecia um cara que ficava triste porque dizia que quando morresse deixaria de saber de muitos fatos da vida, não iria ver o desfecho de certos acontecimentos. Ele acompanhava a vida como se fosse uma novela. E não deixa de ser um novelão, bem mexicano, eu acho...
Esse fato me deu a ideia de pensar com meus botões sobre o que eu não vi e teria valido a pena ter visto. Vou me imaginar o judeu Nukim, que recebeu, segundo a lenda, a maldição de nunca morrer e está ele aí vivo assistindo todos os capítulos da novela humana. Por exemplo, não vi o jogo final da Copa do Mundo de futebol, Brasil x Uruguai, jogado no Maracanã, no Rio de Janeiro, no dia 16 de julho de 1950. Eu era criança. O Brasil com uma seleção tão maravilhosa quanto a de 1970, tinha o Ademir Queixada, Zizinho, o Jair da Rosa Pinto, Danilo, chamado de Príncipe, o goleiro Barbosa, Bigode do Fluminense. Era só craque e perdemos de 2x1, quando bastava o empate pra nós. No fim do jogo, 200.000 pessoas choraram copiosamente e esta multidão saiu muda do estádio. Quem estava lá me disse que se ouvia uma mosca voando. Também, claro, não vi César ser esfaqueado por Brutus. Gostaria de ver o César falando a famosa frase: “Até tu Brutus?” Queria olhar o rosto e os olhos dele, será que morreu com coragem? Afinal era o grande César! Também não vi o índio brasileiro, talvez um xavante, nas matas de Mato Grosso, dizendo: “índio quer apito” Para o índio daquela época um apito poderia bem ser equivalente ao nosso Messenger para se comunicar com alguém da sua tribo. A tão falada democracia da Grécia. Em que dia teria surgido? Aqueles gregos, falando grego, uma língua complicada, teriam percebido a importância dessa democracia ? Por sinal, a democracia de nossos tempos está bem surradinha, merecendo uma repaginada...
Gostaria de ter visto a cama de ferro de Procusto, um bandido da mitologia grega, que convidava os viajantes para deitarem na sua cama. Se o convidado fosse menor que a cama ele esticava o convidado até ficar do tamanho da cama. Se fosse maior que a cama, ele amputava as pernas da pessoa. Essa visão terrível, me faria lembrar sempre que não temos o direito de enquadrar as pessoas nas nossas medidas... Me resguardaria sempre da intolerância.
Também não vi o dono milionário do seringal no Amazonas, acendendo seu charuto com uma nota de mil contos, só pra esnobar sua riqueza. Queria vê-lo na decadência do Estado, quando os ingleses passaram a perna nos brasileiros, donos da borracha. Não vi Carmen Miranda, a pequena notável, cantando o que é que a baiana tem. Desconfio que a baiana tem mais coisas escondidas, que nossa vã filosofia nem desconfia. Como é óbvio não vi o ano de 1968, o ano que não começou... Não vi o técnico de futebol Flávio Costa, da seleção brasileira de 1950 dando um tapa na cara do Bigode, no vestiário do Maracanã. Gostaria de ter visto a reação do Bigode. Com certeza baixou a cabeça. O Flávio Costa era muito temido. Não vi quando Judas traiu Cristo. Seria importante pra mim ver como é a cara da traição. Não vi a declamação do Sermão da Montanha. Deve ter sido das coisas mais belas que este mundo já viu. Não vi o Getúlio Vargas escrevendo a sua carta-testamento e entrando para a história! Esse momento em que ele põe o pé na soleira da história, daria uma pintura fantástica. Só me lembro que não houve aula esse dia. Eu, quase adolescente, adorei não ir à aula.
Puxa vida, não vi quando o Jorge Henrique, que tinha acabado de passar no concurso para o Itamaraty, caiu do caminhão em pleno sábado de carnaval e ficou estirado em noite escura, numa estrada da cidade de Leopoldina, Minas Gerais, e acabou morrendo. Nesse dia não estava com ele, que era muito desajeitado. Eu não teria deixado o Jorjão cair. Tenho certeza disso e morro de desgosto por não estar ao lado dele, um amigo inesquecível. Não vi a vitória da égua Essence, no segundo páreo, numa quinta feira à tarde, por volta das 13,30h. , no hipódromo da Gávea, quando eu cursava o clássico. Joguei na égua e ganhei duzentos cruzeiros. Seria o começo da minha economia para ir a um certo apartamento de Copacabana. Sonhava em juntar cinco mil reais... Uma semana antes, no Padock da Gávea, um amigo ouviu dizer que tinham combinado que a égua, tremendo azarão, ganharia o segundo páreo. O jogo já era roubado naquela época, aliás, sempre roubado...
Não conheci e, portanto, não vi o apartamento em Copacabana de uma vedete do teatro rebolado, que segundo meus coleguinhas inocentes, a moça do rebolado recebia seus convidados, desde que fosse agraciada com cinco mil réis, cinco mil reais hoje. O felizardo teria direito a tomar chá com biscoitos, tudo servido por ela. O chá com biscoitos, ou torradas Petrópolis, à escolha do freguês, me atraía muito, conjuntamente com os outros aperitivos, claro
Mas a cena que mais me intrigou foi contada pelo próprio Sócrates. Em certo momento, diz ele: "dialogando com um discípulo, os dedos dele roçaram minha mão e senti um arrepio..." Eu tinha que estar lá nessa hora, perguntaria logo ao filósofo qual a interpretação que ele estava dando àquele inusitado arrepio. Afinal, um homem tão racional!
Ia falar que também não vi o piloto americano que jogou a bomba atômica em Hiroshima. Mas isso foi tão estúpido e pavoroso que não queria ter visto mesmo!
Meu Deus! Quanta coisa não vi! O que falta ainda não ver?
Não ver o amor vencendo o nosso egoísmo, a única e grande mensagem de Cristo, será, com certeza, minha maior frustração. Já sei que não vou ver...
Montaigne, o filósofo francês, conhecia um cara que ficava triste porque dizia que quando morresse deixaria de saber de muitos fatos da vida, não iria ver o desfecho de certos acontecimentos. Ele acompanhava a vida como se fosse uma novela. E não deixa de ser um novelão, bem mexicano, eu acho...
Esse fato me deu a ideia de pensar com meus botões sobre o que eu não vi e teria valido a pena ter visto. Vou me imaginar o judeu Nukim, que recebeu, segundo a lenda, a maldição de nunca morrer e está ele aí vivo assistindo todos os capítulos da novela humana. Por exemplo, não vi o jogo final da Copa do Mundo de futebol, Brasil x Uruguai, jogado no Maracanã, no Rio de Janeiro, no dia 16 de julho de 1950. Eu era criança. O Brasil com uma seleção tão maravilhosa quanto a de 1970, tinha o Ademir Queixada, Zizinho, o Jair da Rosa Pinto, Danilo, chamado de Príncipe, o goleiro Barbosa, Bigode do Fluminense. Era só craque e perdemos de 2x1, quando bastava o empate pra nós. No fim do jogo, 200.000 pessoas choraram copiosamente e esta multidão saiu muda do estádio. Quem estava lá me disse que se ouvia uma mosca voando. Também, claro, não vi César ser esfaqueado por Brutus. Gostaria de ver o César falando a famosa frase: “Até tu Brutus?” Queria olhar o rosto e os olhos dele, será que morreu com coragem? Afinal era o grande César! Também não vi o índio brasileiro, talvez um xavante, nas matas de Mato Grosso, dizendo: “índio quer apito” Para o índio daquela época um apito poderia bem ser equivalente ao nosso Messenger para se comunicar com alguém da sua tribo. A tão falada democracia da Grécia. Em que dia teria surgido? Aqueles gregos, falando grego, uma língua complicada, teriam percebido a importância dessa democracia ? Por sinal, a democracia de nossos tempos está bem surradinha, merecendo uma repaginada...
Gostaria de ter visto a cama de ferro de Procusto, um bandido da mitologia grega, que convidava os viajantes para deitarem na sua cama. Se o convidado fosse menor que a cama ele esticava o convidado até ficar do tamanho da cama. Se fosse maior que a cama, ele amputava as pernas da pessoa. Essa visão terrível, me faria lembrar sempre que não temos o direito de enquadrar as pessoas nas nossas medidas... Me resguardaria sempre da intolerância.
Também não vi o dono milionário do seringal no Amazonas, acendendo seu charuto com uma nota de mil contos, só pra esnobar sua riqueza. Queria vê-lo na decadência do Estado, quando os ingleses passaram a perna nos brasileiros, donos da borracha. Não vi Carmen Miranda, a pequena notável, cantando o que é que a baiana tem. Desconfio que a baiana tem mais coisas escondidas, que nossa vã filosofia nem desconfia. Como é óbvio não vi o ano de 1968, o ano que não começou... Não vi o técnico de futebol Flávio Costa, da seleção brasileira de 1950 dando um tapa na cara do Bigode, no vestiário do Maracanã. Gostaria de ter visto a reação do Bigode. Com certeza baixou a cabeça. O Flávio Costa era muito temido. Não vi quando Judas traiu Cristo. Seria importante pra mim ver como é a cara da traição. Não vi a declamação do Sermão da Montanha. Deve ter sido das coisas mais belas que este mundo já viu. Não vi o Getúlio Vargas escrevendo a sua carta-testamento e entrando para a história! Esse momento em que ele põe o pé na soleira da história, daria uma pintura fantástica. Só me lembro que não houve aula esse dia. Eu, quase adolescente, adorei não ir à aula.
Puxa vida, não vi quando o Jorge Henrique, que tinha acabado de passar no concurso para o Itamaraty, caiu do caminhão em pleno sábado de carnaval e ficou estirado em noite escura, numa estrada da cidade de Leopoldina, Minas Gerais, e acabou morrendo. Nesse dia não estava com ele, que era muito desajeitado. Eu não teria deixado o Jorjão cair. Tenho certeza disso e morro de desgosto por não estar ao lado dele, um amigo inesquecível. Não vi a vitória da égua Essence, no segundo páreo, numa quinta feira à tarde, por volta das 13,30h. , no hipódromo da Gávea, quando eu cursava o clássico. Joguei na égua e ganhei duzentos cruzeiros. Seria o começo da minha economia para ir a um certo apartamento de Copacabana. Sonhava em juntar cinco mil reais... Uma semana antes, no Padock da Gávea, um amigo ouviu dizer que tinham combinado que a égua, tremendo azarão, ganharia o segundo páreo. O jogo já era roubado naquela época, aliás, sempre roubado...
Não conheci e, portanto, não vi o apartamento em Copacabana de uma vedete do teatro rebolado, que segundo meus coleguinhas inocentes, a moça do rebolado recebia seus convidados, desde que fosse agraciada com cinco mil réis, cinco mil reais hoje. O felizardo teria direito a tomar chá com biscoitos, tudo servido por ela. O chá com biscoitos, ou torradas Petrópolis, à escolha do freguês, me atraía muito, conjuntamente com os outros aperitivos, claro
Mas a cena que mais me intrigou foi contada pelo próprio Sócrates. Em certo momento, diz ele: "dialogando com um discípulo, os dedos dele roçaram minha mão e senti um arrepio..." Eu tinha que estar lá nessa hora, perguntaria logo ao filósofo qual a interpretação que ele estava dando àquele inusitado arrepio. Afinal, um homem tão racional!
Ia falar que também não vi o piloto americano que jogou a bomba atômica em Hiroshima. Mas isso foi tão estúpido e pavoroso que não queria ter visto mesmo!
Meu Deus! Quanta coisa não vi! O que falta ainda não ver?
Não ver o amor vencendo o nosso egoísmo, a única e grande mensagem de Cristo, será, com certeza, minha maior frustração. Já sei que não vou ver...