SINCERAMENTE

Doze anos de vida familiar, recluso e inteiramente dedicado a rotina doméstica, era normal que se sentisse um peixe fora d’água nos primeiros contatos com rostos estranhos e conversas esquisitas. Confiante de seu bom gosto literário, musical e gastronômico, bem como de seu vasto conhecimento pelos mais variados temas da atualidade, aventurou-se certa noite numa ‘baladinha’ desconhecida para testar sua performance conquistadora.

De jeans, camiseta de algodão e mocassim era mais um numa quase multidão espremida num espaço de pouca ventilação, som alto e luzes que detonavam seu equilíbrio. As mulheres – todas juntas – dançavam freneticamente junto ao pequeno palco onde uma dupla cantava músicas que todos conheciam – menos ele – apesar de seu grande repertório. Enquanto isso, os homens – todos juntos – bebiam e pareciam não estar muito a fim de conversa. Não havia mesas nem garçons. Ah, sim, havia uma garçonete atônita que não dava conta de servir os músicos que disputavam acirradamente a atenção da moça.

As investidas não deram certo. Culpa dele que não decolava uma conversa sequer com as mais simples das criaturas. A noite estava apenas começando e já não dava conta daquela melancolia evitável.

Se existisse um guia prático para parecer legal num ambiente totalmente diferente do seu, talvez lá estivesse escrito algo como: aprenda imediatamente os sucessos sertanejos do momento, acompanhe diariamente o BBB e todos os jogos do Campeonato Brasileiro, revele suas mais calientes intimidades a quem você jamais voltará a ver e, se nada disso colar, beba, beba e beba.

Depois do ensaio frustrado e de garganta seca, resolveu ir embora para casa. Antes, porém, parou no bar da esquina – seu lugar comum – onde amanheceu o dia ouvindo sambas e boleros no velho Sonata do Seu Altamir, o dono do boteco e sempre o menos sóbrio entre os amigos. Ali, pelo menos, podia viver sua dor e ser sincero.

PUBLICADA NA REVISTA CACHOEIRO CULT - EDIÇÃO FEVEREIRO/2012