Itapuã, veraneio e discos voadores

                                                         Ygor da Silva Coelho

"É bom... passar uma tarde em Itapuã, ao sol que arde em Itapuã, ouvir o mar de Itapuã, falar de amor em Itapuã”.

A minha amiga Ana Kátia Ramos nos brindou recentemente com um texto daqueles que fazem o passado invadir a alma e encher o coração de saudade. Discorreu com nitidez o clima dos antigos veraneios em Itapuã, as serenatas na Lagoa do Abaeté, o encontro diário com os amigos, o carnaval no clube Pinaúna e a tradicional Lavagem de Itapuã, num tempo em que a festa era só alegria, sem trios e sem brigas. Tão nítido, o texto me trouxe, de imediato, a imagem de D. Helena e Ouri Ramos, duas figuras que para mim significavam a essência do veraneio, pela alegria, hospitalidade e espírito permanentemente alegre.

No final dos anos 60, época do nosso veraneio, Itapuã já passava por transformações, sua população crescia, mas era ainda uma típica colônia de pescadores e um bairro considerado muito afastado do centro de Salvador. Ruas tranqüilas, a maioria não pavimentada, ainda de areia, e os poucos ônibus da ITT, que faziam a linha Salvador-Itapuã, circulavam apenas até as 21:00h, pois a calmaria do local não permitia o luxo de mais horários. A Lagoa do Abaeté, imortalizada nas canções de Caymmi, era um dos principais cartões postais da Bahia e a ela recorríamos após a praia para tirar o sal do corpo, esticar o dia até quase o escurecer e aproveitar ao máximo as maravilhas do lugar.

Assim transcorria o veraneio em Itapuã, preenchido com banhos de mar, paletadas até Abaeté, amizades, festas, caminhadas noturnas na pracinha e paqueras.

Ana Kátia retratou tudo muito bem, deixando de relatar apenas um episódio que até hoje intriga aos muitos que presenciaram: o aparecimento de um disco voador, luzes inexplicáveis que cortavam o céu em direção ao mar, sempre por volta das 02 horas da madrugada. O fato assustava os moradores e foi motivo de rebuliço na vila, inúmeras teorias, longas vigílias e até matéria no Jornal A Tarde. Para uns eram extraterrestres chegando a Itapuã, para os mais instruídos OVNIs vindos de Marte. Por ser tempo de guerra fria, para os mais politizados eram espiões russos sobrevoando os coqueirais de Piatã. As hipóteses viajavam por vários campos. Na sereia, meu ponto diário de passagem para o mar, Seu Archimedes Pescador defendia a tese que o clarão eram luzes divinas, cruzes de fogo.

Eu ainda não tinha visto o disco voador, mas fazia uma junção dos conceitos e, no meu íntimo, achava que eram povos dotados de tecnologia avançadíssima, buscando contato com a humanidade. E, intrigado com o assunto, um dia resolvi fazer vigília para ver o disco voador e dar, também, a minha opinião. A casa de D. Helena ficava num ponto estratégico e pedi para passar a noite na varanda da sua residência, juntamente com o colega Paulo Caga-sebo. Chegamos logo depois do jantar, em torno de 20h. “Quem sabe, o disco passa mais cedo hoje...”.

Acomodados na varanda, ficamos de prontidão. As horas foram passando, os poucos moradores do bairro foram se recolhendo, D. Helena, Ouri e os filhos foram dormir, eu permaneci, teimosamente, com os olhos fixos no céu. A noite parecia não ter fim. Dez horas, onze, meia noite, uma hora da manhã... O sono já batia forte, Paulo Caga-sebo cochilava e eu olhando o céu, bem claro e estrelado naquela noite de verão. Às duas horas da madrugada, silêncio sepulcral em Itapuã, nem o “diz-que diz-que macio”, poetizado por Vinicius de Moraes, brotava dos coqueirais. De repente, uma fortíssima luz, de cor indefinida entre verde intenso e azul, passou por sobre nossas cabeças, cobriu os coqueiros de Piatã e desapareceu em segundos. O susto foi grande e o medo maior.

Apavorados, sem nem mais piscar os olhos, só saímos da varanda de D. Helena, rumo às nossas casas com os primeiros raios de sol. Quem ia se arriscar ser seqüestrado por um OVNI? Deixar Itapuã, Abaeté, a Sereia, Piatã e ir parar naquelas terras tórridas de Marte? Deus livre!
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P.S.: Paulo Caga-sebo passou um longo período meio lunático. Só voltou ao normal anos depois
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Ygor Coelho
Enviado por Ygor Coelho em 29/02/2012
Reeditado em 29/02/2012
Código do texto: T3527242
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