Meu coração tropical está coberto de neve

... Eu gosto de ir a sebos de vez em quando. Gosto de saber que lá posso encontrar histórias de pessoas, lugares, de algo... eu gosto do cheiro quase alérgico do passado.

Descobri em Petrópolis um sebo bacana. A gente não pode comprar nada lá. Então na verdade, não é bem um sebo. Está mais pra um espaço de leitura, de livros usados.

Encontrei naquelas prateleiras, pilhas de livros com suas histórias despejadas nas dedicatórias. Achei tudo tão delicado e sincero, que não pude deixar de pegar o bloquinho de anotoções que sempre levo comigo, pra escrever nele aqueles fragmentos de amores amarelecidos.

Num do Jorge Luis Borges

''Uma lembrança literária discreta da noites que entre farrapos de sono, perdemos nosso corpos nas cores do mapa mundi. Com paixão, P. ''

Num da Clarice Lispector

'' Sei que passarás teus olhos atentos em cada grifo abafado de Clarice. E que cada grifo teu trará pros nossos dias lindas e intermináveis reflexões. Em tuas mãos agora: meu livro dela, meu amor teu. ''

Num Caio Fernando Abreu

'' Que te faça companhia meu amor, nas noites em que estarei ausente. Já sinto cíumes dele e a saudade já se faz presente. Te amo, volto logo.''

Num Guimarães Rosa ( e foi aqui que eu comecei a chorar )

'' Você, é minha Diadorim. Por isso, eu trouxe de longe pra ti, esse livro que nos aproximou de forma tão imediata. Sou grata para sempre ao Rosa. Ass: Nina.''

Numa Hilda Hist

'' Tua poesia e a dela, são passionais. Por isso amo as duas.''

Num Gabriel Garcia Marquez

'' Li esse livro enquanto não posso ler teus olhos. E escrevo aqui, enquanto não posso desenhar em sua pele. Espero por ti, o tempo que for preciso.''

Numa Inês Pedrosa

'' Meu amor, meu muso, meu menino bom, meu galã, meu poeta particular. Quantas dedicatórias eu pressenti, escrevi e assinei em tom profético; Te amo tanto, tão estranho... só agora descubro teu nome: Te amo Igor. Louca e eternamente. Ass: Hellem.''

Depois desse, não consegui ler mais nenhum. Meu coração doia e o peso do mundo estava sobre as minhas costas. Lembrei da dedicatória que fiz certa vez. Tão simples, tão pouca, tão pobre. E nunca tive a chance de mostrar. Livros e sonhos dentro de uma caixa. A caixa de presentes nunca revelados.

E em um livro escrevi: '' Que a força, assim como meu carinho, esteja sempre com você. Com amor, C. ''

Parecia tão suficiente, gente, que eu não me preocupei em caçar poesias pra estampar o começo daquele livro.

Espalhado pelo mundo, pessoas apaixonadas gritavam o que não podiam calar em forma de dedicatória. E na minha, na que fiz pra ele... Eu tão contida, tão quieta... não escrevi nem metade de tudo que queria que ele soubesse...

E uma avalanche de coisas que deveriam ser ditas e ficaram caladas e uma porção de coisas que eu queria saber, vieram á tona.

É tanta e tanta coisa... E eu não sei o que fazer com tudo isso, eu não sei quando tudo isso vai passar, eu não sei o que fui fazer naquele sebo, eu não sei o que vou fazer com o meu coração...

Cris Souza Pereira
Enviado por Cris Souza Pereira em 28/02/2012
Reeditado em 28/02/2012
Código do texto: T3526006