_Monopolismo

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Fórum. Audiência de conciliação.

– Bom dia, doutor!

– Bom dia, doutor!

– Bom dia, doutor!

Observo. Pessoas apressadas. Olhares ansiosos. Tem um buraco – enorme – na parede, ao lado da foto dos desembargadores; a estagiária tatuou uma aranha na perna esquerda, perto do “mocotó”... Advogados cochicham. O telefone toca:

– Oi!

– No fórum. Isso. Preciso desligar, tchau!

– Bom dia, doutor!

– Bom dia, doutor!

– Que horas? – pergunta um dos advogados ao colega.

O doutor Chronius abre o flip do celular e responde:

– Nove e quarenta.

Atirei olhar certeiro para o pulso do causídico. E ele estava lá: um lindo relógio de marca! Era uma máquina elegante e sociável, com pulseira prateada. O brilho do bracelete me turbou a visão...

Decidi observá-los mais amiúde – advogado e relógio. Este permanecia impassível; aquele, alarmado, assustava-se até com a movimentação do ar que nos circundava.

A pulseira era movimentada mecanicamente, de um lado para o outro, servindo como distração. Quando a preocupação era o tempo, ou o início da audiência, ele abria o celular e conferia as horas.

Entramos. Juíza, uma magistrada! Findou a audiência. Quando a meritíssima levantou, entendi a tatuagem da estagiária: a dela se assemelhava à da juíza, mas a aranha da mulher que bate o martelo era bem maior! Saímos.

– Boa tarde, doutor!

– Boa tarde, doutora!

– Foi boa!

– Parabéns!

Conversávamos. Sorríamos. Vencidos e vencedores pareciam mais aliviados; o tempo, desacelerar. Os assuntos iam surgindo. Falamos sobre as aranhas... Dentro de mim, entretanto, continuava uma inconciliável inquietação. Buscava explicações. E as catei...

Quando o cara lá dos estrangeiros inventou o telefone, revolucionando os meios de comunicação, os aparelhos eram enormes. À época, verdadeiras obras de arte que davam aos donos, além de poder, empáfia[1] transcendental. O efeito equiparava-se ao de se ter na parede do vão principal da casa o certificado de curso de datilografia, na década de oitenta. Tia Carminha, falecida, fazia questão de mostrar o certificado do Mitonho. Dizia ela:

– Está vendo! Meu filho tem datilografia! – era uma mãe orgulhosa.

Vamos caminhar! Como dissera Cazuza: “O tempo não para”.

Tem celular que vira filmadora. Celular que vira televisor. Celular que vira detetive. Celular que manda mensagens via bluetooth e infravermelho. Celular que tira fotos e possui cartão de memória. Vira, vira, vira... E celular que vira telefone e faz ligações! Oba! Podemos nos comunicar por eles!

Cheguei ao lar... Cidade pequena. Tudo pertinho. Moro próximo ao fórum. Aliás, moro perto de tudo!

– Tchau, doutor!

– Tchau, doutora!

– Foi boa!

Abro o portão usando o controle do celular. Entro.

Tomo banho. Ponho aquele pijaminha. E me jogo na cama – vai passar documentário na tevê. Sobre insetos: aranhas!

Sobressaltado, levanto-me e corro até a cozinha. Que alívio! O relógio de parede que enfeita a – minha – cozinha está lá, pendulando, direitinho. A cada hora o cuco diz: cu-cu... Cu-cu... Cu-cu...

Dez horas e dez minutos – curiosamente, o instante em que os ponteiros do relógio parecem sorrir pra todo mundo. Mas naquela parede sorririam apenas pra mim! Faltam 50 minutos para novos Cu-cu... Cu-cu... Cu-cu... Preciso ver as aranhas na tevê.

No segundo pavimento.

O que temos aqui? – questiona-se o homem de pijaminha.

DVD, televisor, som...

Ele Abre o flip do aparelhinho, vasculha os filmes que a filha baixou para o cartão de memória do celular dele e se desespera. Num acesso de loucura, quebra o televisor e o DVD. Desce até o pavimento térreo e joga fora tudo que lembra celular: TV, relógio de parede, som... Por engano, o micro-ondas também se foi. Buscava mais futilidades dentro de casa. De repente, o portão se abre e um carro, segundos depois, estaciona. Era a esposa. Ela entra. Ao notar a bagunça, grita:

– Meu Deus, que foi isso?!

Indiferente, vendo um filminho no celular, o maridão responde:

– Estava dando fim às coisas inúteis que temos em casa!

A esposa do doutor advogado pega o celular que estava sobre a mesa, o querido celular do marido, e o joga no chão!

Plaft! – único golpe. Mortal. Esse não liga mais!

Não houve novas trocas de agressão. Eles se abraçaram, silenciaram e começaram a chorar.

Alguém arriscaria algum palpite para o próximo jogo?

– Doutor, doutor!

Crato-CE, 23 de agosto de 2009.

10h23min

[1] Soberba, orgulho vão.

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 27/02/2012
Código do texto: T3524159
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