A extinção do homem
Hoje acordei com novas dores nas costas. Desde o final de semana passado, não tenho me adaptado com as espumas finas do sofá e as madeiras atravessadas. Reluto em dormir na mesma cama em que aquela mulher com que me casei, e que se diz ser mãe do meu filho, se deita.
As noites mal-dormidas de segunda e terça não se devem somente ao incomodo e desaconchegante sofá da sala de vídeo, mas principalmente à matéria publicada pela Revista Veja no fim de semana. Desde então, me recuso também chamar aquela mulher de “bem” e de “meu amor”.
A matéria veiculada pela Veja possuía uma chamada pouco convidativa: “Este Rato Não Precisou De Um Pai Para Nascer”, mas ainda assim me interessei, e logo pasmei, quando de relance li o subtítulo: “Cientistas Japoneses E Coreanos Criam O Primeiro Mamífero Gerado Por Duas Mães”.
De forma instantânea, refleti: os japoneses, e muito menos os coreanos, reconhecidos pela disciplina e inteligência genética que possuem, jamais poderiam fazer uma coisa dessas com a humanidade.
E, sem dúvida, conclui: isso era obra daquele grupo norte-americano de feministas radicais, que procuram contaminar o mundo com seus ideais macabros, já revelados por espiãs infiltradas no grupo. Aliás, todos sabem que na verdade são muito piores que os chamados conceitos “anti-machistas”, vigentes na época da revolução sexual, e atualmente re-adaptados para uma nova denominação: “pró-extermínio masculino”, vi outro dia em um site.
A reportagem trazia a catástrofe, informava aos leitores que “Kaguya”, a cobaia, era o primeiro mamífero do mundo a ser gerado pelo processo de partenogênese – meio pelo qual é possível que um ser vivo nasça a partir de um óvulo, sem que haja fecundação. Em outras preocupantes palavras, a partenogênese é o método de reprodução solitário, como o das abelhas e das formigas, por natureza ovíparas.
A reportagem dizia também, em tom jocoso, usado pela repórter Paula Neiva, decerto uma feminista radical, que “os casais de lésbicas já podiam sonhar”.
Enfim, era o que faltava. A ânsia feminina pela superação da capacidade genética do homem teria alcançado uma posição alarmante, e o fim da espécie, ou melhor, do homem, estaria bem próximo. E foi exatamente o que senti quando, no jantar de domingo, tentava pegar o último bife da tigela e fui fulminado pelos olhos da minha mulher e obrigado a deixá-lo intacto, para evitar um ataque físico.
Depois, quando fui ao trabalho no dia seguinte, passei a reparar melhor no comportamento das mulheres. E descobri que: elas já não pedem mais desculpa se esbarram em você; elas não pedem licença para sair da mesa; e pior, chegam a pagar a conta, se você titubear; cheguei a ver uma delas trocando pneu e outra esbofeteando um pivete, que tentara se aproximar, talvez para pedir um trocado para comer.
Preocupado ainda mais depois de um dia de pesquisa e de trabalho ao lado delas, liguei para um amigo meu, lá do clube de golfe, e que é geólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo, e havia feito Doutorado em Harward, e lhe contei sobre a publicação do artigo na revista.
– Paulo Roberto, como vai?
– Ótimo. E você?
– Estava bem até ontem, quando li uma reportagem na Veja.
– Como assim?
– Paulo, você não vai acreditar. Lembra da nossa conversa com o pessoal da “bocha” enquanto jantávamos na quinta passada, a respeito da vontade das mulheres de conquistar o mundo? E de nos escravizar, se não fossemos indispensáveis à existência humana, e às coisas mais simples da vida?
– Tá bem Jorge e daí? Era só hipoteticamente. – Você não levou a sério, levou?
– Não. É. Sim. Não, na verdade não tinha levado, mas lendo a revista ontem descobri que uns cientistas, ou umas cientistas, conseguiram reproduzir um rato de laboratório com apenas dois óvulos.
– Como assim? Você diz sem sêmen?
– É. Sem espermatozóide.
– Num brinca? Meu Deus ....! Jorge, sabe o que eu acho? Que isso não é coisa de cientista. Só podem ser aquelas mulheres que pensam ser homens. Elas estão pensando o quê? Que são Deusas? Ou melhor, Deuses? Se isso for realmente verdade, e não for nenhum furo de reportagem como aqueles em que o Michael Jackson tinha morrido porque ingeriu analgésico em excesso, no máximo em um ou dois anos, depois de assumirem o poder, de forma organizada e em todos os seguimentos políticos e sociais, nós seremos considerados “um tipo de raça inferior”, e seremos exilados em campos de concentração, sem qualquer perspectiva sobre os nossos destinos.
– Eu sabia. Foi exatamente o que eu também tinha pensado.
– Vou ligar imediatamente para o Dr. Richard Campbell, meu professor em Harward, para ver quanto tempo temos, e depois eu te ligo? Tchau.
Não era exatamente o meu objetivo, mas senti pelo tom da sua voz e pela forma como tinha desligado o telefone sem oportunidade para que eu dissesse qualquer outra coisa, que Paulo, assim como eu, também tinha se descontrolado, mas com razão.
Hoje, durante à tarde, vários amigos comuns entre mim e o Paulo, falaram comigo pelo telefone conjeturando a maneira como devíamos agir no confronto que estava por vir, quem poderia nos liderar, e que armas poderíamos usar, apenas para imobilizar a ação do inimigo, no caso, inimiga.
Por falar nisso, o Paulo, desde a segunda à noite, quando falei com ele pela última vez, não me retornou.
Meu Deus! Será que o telefone dele estava grampeado e o pegaram. Acho melhor eu esperar até amanhã, sem qualquer reação inimiga; vou dormir novamente aqui no sofá.