CRÔNICA NORMATIVA
"O que é da minha conta me aborrece mortalmente; prefiro meter-me no que é da conta alheia" (Oscar Wilde, escritor britânico)
Não quero ser a palmatória do mundo, também não pretendo ficar frio, que nem um aluado, diante da má educação de vândalos, quando destroem o que é da alçada publica. Bato neles, dou-lhes de chinelo, apenas simbolicamente; e, se pudesse, dar-lhes-ia de verdade, com um rebenque e tudo. Daí por que me proponho a esta crônica normativa.
A agressão que se comete às instituições e patrimônio públicos, neste País, deveria constituir crime inafiançável. Uma vez apanhado o safardana que a praticou, com a boca na botija, então penalidade para ele nos couros. Democraticamente, sim, um ato repressivo, na maciez de pelúcia, bem justo e merecido. Destruir as coisas públicas, mais que crime, é uma tremenda safadagem. Ou exagero?
Desde o jogar papéis, bagos de laranja ou quengas de coco, nas ruas e praças, até pichar e depredar prédios e monumentos. Tudo isso aí é uma má educação inominável. Escolas, creches, postos de saúde, museus, teatros, bibliotecas, mausoléus, monumentos, por exemplo? Para mim, cara pálida, tudo isto devia ser patrimônio intocável. Ora, não são bens públicos, para o bem do coletivo? Então, no caso, e em tese, tudo a todos nos pertence.
Mais que crime, é uma tremenda safadagem devastar a ‘res publica’ (coisa pública, coisa do povo). Digo e reitero, na boa, mas a má educação nacional tem todo o direito de refutar-me a suposta intransigência. Venham de lá, tintim por tintim, sem porrete na mão, e digam, por favor, onde estou falando pelo avesso. Certamente que, em minha defesa, a opinião das pessoas de sã consciência não deixaria que a réplica dos mal-educados desse um caldo de pinto.
Tempos atrás, indo eu à livraria da Universidade Federal do Ceará, dei com os prédios em volta da belíssima mansão da Reitoria em petição de desgraça. Rádio Universitária e todas as construções dos antigos Institutos Básicos, tudo, tudo pichado. Aquilo me deu indignação na massa do sangue, pois sim, que ninguém é mesmo de ferro.
Outra vez, um diretor de escola pública – que ele esteja bem, lá nas Mercês de Cima, o professor Renato – fez questão de mostrar-me em sua casa de educação uma sala enorme, de telhado alto, cheinha até a tampa de móveis arrebentados. Eram carteiras, cadeiras e mesinhas, tudo destruído. E, pior, tudo destruído pela mãozinha boba do alunado. Uma baita e despropositada destruição.
Bocas de lobo são entupidas nas cidades por maus cidadãos. Aí os temporais e as enchentes fazem a festa com as inevitáveis inundações às residências e casas comerciais. Vejam em São Paulo, mas é em todas as outras capitais o mesmo drama: inundações aos logradouros, em geral. Mesmo nos bairros chiques, ditos bairros nobres, lá onde se aninham as mansões, a má educação das populações embrutecidas suja, a jogar lixo, à toa. E daí os alagamentos vêm.
Nada escapa à sanha demolidora de certas mãos equivocadas e mal-aventuradas: pichações às estátuas, aos monumentos, edifícios, bibliotecas, teatros e museus. Até mausoléus suntuosos e tumbas, nos campos-santos. E a quebradeira interna, dos sanitários, nas escolas? Bancos de praças e parques, abrigos e assentos de paradas de ônibus, tudo a mercê de mãos devastadoras. Ah, e quão me dá pena, ao ver o que é publico destruído!
Mãos, não, cabeças poluídas, gente sem noção do valor do coletivo. Cidadania? Nem pensar nestas coisas de um processo mais sociológico e socializante, em prol do bem-comum, enfim, bem para todos. Como se comportariam mãos assim, sob a regência de um sistema democraticamente socialista? Até o Cristo Redentor, uma das maravilhas da Humanidade, já sofreu agressão e foi borrado.
Da estátua de Drummond, no banco de uma praia, no Rio, os inconscientes afanaram os óculos de certo metal. Em Fortaleza, idem. Os larápios – malas sem alça – e iconoclastas surripiaram também o pincenê da estátua de D. Rachel de Queirós e mais outros óculos do grande e internacional poeta popular, o nosso Patativa do Assaré.
Macacos me engulam, se não falo com inteira convicção: mais que crime, e crime que devia ser inafiançável, essa coisa de destruir a ‘res publica’, no meu miúdo modo de entender, é uma tremenda safadagem.
Fort., 27/02/2012.