JOGAR A CASA PELA JANELA

Olho o caos que reina nas gavetas e nos cômodos infinitamente incômodos da minha alma, da minha vida, de tudo e não tenho nenhuma ideia, nenhuma mesmo, de por onde posso começar a fazer a limpeza, nem do que seja coisa para guardar e coisa para jogar fora.

Há uma expressão usada na Argentina que diz bem, muitíssimo bem, do que estou a sentir há muito: "jogou a casa pela janela", quando lá se quer dizer que alguém fez algo muito além da conta, exorbitou, saiu fora de todos os limites.

A expressão "jogar a casa pela janela" não a posso usar para mim, no sentido com que os argentinos a usam para eles mesmos. Eu não exorbitei, pelo contrário; de tanto ver murchar as coisas em que acreditei até vê-las reduzidas a esse nada de exorbitâncias

inúteis, há momentos em que a expressão "jogar a casa pela janela" deixa de ser metáfora, imagem e só me ponho a salvo dela porque me resta ainda alguma honra e também porque não tenho quase mais nenhuma força nas pernas para realizar a tarefa pesada, proibida e irreversível de "jogar a casa pela janela".

Por causa de tamanha impotência "geral e irrestrita", preciso encontrar, ainda não sei onde, alguma coragem para iniciar a limpeza, por qualquer gaveta,por gaveta qualquer, não importa qual, tomando o cuidado de não jogar fora, junto com a água suja, também o bebê*. O bebê * precisa ser preservado.

* A palavra "bebê" está sendo usada em sentido simbólico: não há nenhum bebê com a vida em jogo.

No final da tarde de 26 de fevereiro de 2012.