Crônica da minha morte
Hoje eu me matei.
Acordei decidido. Intempestiva e inapelavelmente apunhalei-me. Assassinei meu eu interior, que tanto sofrimento já me havia proporcionado. Estrangulei minhas ruminantes e inúteis preocupações. Decapitei de um só golpe minhas altruístas atitudes para com os bem próximos. Fuzilei sem nenhum remorso meu infrutífero passado cuidador. Apedrejei impiedosamente o que restava de minha obsessiva e paternalista alma.
Esperei com ansiedade então o desfecho de tão ignóbil crime. Qual seria a minha punição? Estaria eu condenado ao inferno da solidão e da amargura, regado em doses diárias de remorso e culpa? Afinal, não se mata impunemente toda a história de uma vida.
Após angustiante expectativa, recebi então a sentença: pelos crimes emocionais até então praticados, fui condenado à paralisia, à não-ação, ao ostracismo comportamental.
Irremediavelmente combalido, ciente de minha insignificância, eis que aqui ainda estou. Sobrevivo, tento sufocar mágoas e vislumbro algum futuro.
Sigo mais leve. Meu crime me libertou.
Prometeu queria dominar o fogo...
Quanto a mim, pretendo apenas ir em frente.
Deixo as emoções terrenas para os que ainda as haverão de constatar... As mesmas que os sábios já vivenciaram e descartaram.
Nada somos: o segredo é entender, é aceitar; para que possamos viver.
Simplesmente viver... Um dia de cada vez.