A dor do crack

Domingo, dia de se dar ao luxo de não fazer nada, geralmente é o dia que a gente se planta diante da televisão, na esperança de ver alguma coisa que valha a pena. Foi assim que vi a cena. Estava naquela dança entre os canais, buscando alguma coisa interessante, quando o nome de minha cidade foi dito por um dos carinhas que havia no programa. Claro que parei e quis ver qual era o assunto. De início, só ouvi quando ele disse que “naquele tempo ele vivia em Lagoa da Prata, lugar onde a droga era coisa fácil e o crack era sopa em qualquer lugar”.

Continuei para ver do que se tratava o programa e descobri que era uma reportagem sobre as Mães de Minas contra o crack, num canal chamado Super que eu nem sabia que existia. Nele, a divulgação sobre essa Fundação que começa a ter reconhecimento do governo do Estado, numa empreitada de apoio às famílias de usuários de drogas, especificamente os dependentes do crack. Lindo o trabalho. Mas o que me chamou atenção e ainda dói nos meus ouvidos, foi a declaração de um dos dependentes sobre a facilidade de conseguir a droga em nossa cidade.

A gente sempre tem notícias do trabalho da polícia nas apreensões que esporadicamente acontecem, dos traficantes que de vez em quando são presos. Vê o que acontece no Brasil inteiro com quem se entrega ao vício, a miséria humana que se abate sobre os jovens que trocam o futuro por essa viagem sem volta. Há pouco tempo vimos a polícia de São Paulo expulsando os farrapos humanos da crakolândia, um cenário de terror que a indiferença e a omissão deixou tomar conta de uma rua inteira num bairro central da capital paulista. As cenas deprimentes foram mostradas da forma mais fria possível, quando um cortejo de zumbis saiu se arrastando sem rumo pelos contornos da cidade, mostrando a verdade nua e crua da vergonha de uma sociedade que fecha os olhos e finge que não vê a degradação humana devastando os nossos jovens.

Mas isso não é e nunca será um problema só de São Paulo ou qualquer outra cidade grande. Como disse o jovem desconhecido do programa que eu coincidentemente vi, muitos meninos e meninas da nossa pequena cidade já foram apanhados pelas garras dessa droga traiçoeira, que vai se infiltrando devagar entre os jovens, roubando-lhes primeiro a alma, para depois ir dilacerando os seus corpos aos pouquinhos.

E nós continuamos lá, vivendo a nossa vidinha fazendo de conta que tudo isso está muito longe de nós, que esta não é a nossa realidade e que não temos nada a ver com isso. Até que um dia, algum deles atravessam o nosso caminho na loucura de manter o vício e nos leva a bolsa, um objeto de valor ou até mesmo uma vida, na ânsia louca de conseguir o bilhete da nefasta viagem... Só então começamos a abrir os olhos. E de repente descobrimos que começamos a enxergar tarde demais. A dor começa a sangrar dos dois lados.

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 25/02/2012
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