Eu e a atriz Florinda Bolkan
Ygor da Silva Coelho
Todos nós tivemos nossas musas do cinema, aquelas divas que invadem os nossos sonhos. Nas diferentes idades, fui fã de Doris Day, Jacqueline Bisset, Cláudia Cardinale, Ingrid Bergman. A gente vai amadurecendo, ficando mais atento à arte e as musas vão sendo substituídas. É quando surge a visão mais crítica e o desempenho da atriz já conta mais ponto.
Florinda Bolkan não estava na lista inicial. Entrou na minha galeria por acaso, quando eu fazia um estágio no Instituto Agronômico de Campinas, logo após a minha formatura, em 1971. Solitário, hospedado numa pensão indicada pelo saudoso colega Eloys Giacomelli, saí numa ensolarada tarde de sábado para caminhar sem destino por Campinas e passei frente a um cinema. No anúncio o filme Anônimo Veneziano, estrelado por Florinda Bolkan, que veio a marcar toda minha geração. No enredo da fita Tony Musante é um músico famoso, que, seriamente enfermo, convida a ex-mulher, interpretada por Florinda Bolkan para visitá-lo. Enquanto conversam sobre o antigo relacionamento, o amor e a vida, as imagens de Veneza se sucedem ao som da bela trilha sonora de Stelvio Cipriani. Inesperadamente, Anônimo Veneziano se tornou um dos meus filmes inesquecíveis e Florinda Bolkan entrou na galeria das minhas musas. Por ser linda, sexy, pelo desempenho em cena, por ser brasileira, nordestina e cearense!
Florinda Bolkan nasceu na pequeníssima Uruburetama no Ceará. É neta de padre, filha de um deputado, trabalhou na Varig e aprendeu a falar fluentemente inglês, francês e italiano. Um dia foi descoberta pelo famoso cineasta Luchino Visconti e, logo no primeiro filme, contracenou com o beatle Ringo Star!
Já instalada na minha galeria de musas, sempre que eu ia a serviço para o Ceará passava próximo a Uruburetama e imaginava como é curioso o destino reservar para uma menina daquela pequeníssima cidade do Nordeste um futuro tão destacado e brilhante. Lembrava-me que Florinda contracenou com Jean-Louis Trintignant, John Cassavestes e Annie Girardot e do conhecido diálogo com Vitório De Sica quando contratou Florinda para fazer Amargo despertar: "Escolhi você porque seus olhos são de quem já conheceu a fome". A resposta de Florinda Bolkan foi: "Quem nasce no Ceará traz uma carga de verdade dura e forte".
Não sei se o fato de ser fã aproxima. O certo é que eram muitas minhas viagens ao Ceará por conta do trabalho com frutas tropicais, sempre passando por Uruburetama, em direção ao norte do Estado. Numa destas destas idas, li no Jornal O Povo, de Fortaleza, que Florinda Bolkan visitava sua cidade natal. Realmente, ao passarmos por lá sentimos o clima de recepção. Carros ocupavam as ruas da pequena cidade, faixas, gente humilde nas praças e esquinas, homens engravatados, certamente políticos que aproveitavam a presença da artista para se promoverem.
Nosso destino era a Serra da Ibiapaba. Mas, convenhamos, diante de uma oportunidade de ver Florinda Bolkan em Uruburetama, seria pecado atrasar um pouco o trabalho? Ibiapaba e Ubajara que esperassem! Com este forte argumento, convenci o motorista que me conduzia a uma parada na cidade. Estacionamos o carro da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Ceará (EPACE) numa rua lateral e nos postamos numa praça, como os uruburetamenses, no aguardo de Florinda Bolkan, que, horas depois, passou caminhando com toda sua elegância e sensualidade, multidão a seguí-la, cumprimentando os seus conterrâneos, eventualmente abraçando um ou outro.
Não foi possível um contato maior. Nem um autógrafo, nem uma palavra, um olhar. Como enfrentar aquele mundão de gente e se aproximar de uma estrela, ícone do cinema internacional nos anos 70? Impossível!
A multidão passou, deixando atrás de si um vazio na rua de casas com janelas abertas e portas escancaradas, como era comum nas pacatas cidades do interior. Ao nosso lado, um menino que distraidamente fazia um pião girar na calçada da praça, pouco se importando com a presença da atriz, perguntou de onde éramos.
- Da Bahia? Vieram ver Florinda? Aquela na janela lá adiante é D. Nenê, a avó de Florinda...
- Avó de Florinda??!! D. Nenê???
Saímos de Uruburetama sem ver Florinda Bolkan de perto, sem um autógrafo, um sorriso ou um olhar. Mas conhecemos D. Nenê, a avó dela. Gente fina! Já é alguma coisa, não é?
Ygor da Silva Coelho
Todos nós tivemos nossas musas do cinema, aquelas divas que invadem os nossos sonhos. Nas diferentes idades, fui fã de Doris Day, Jacqueline Bisset, Cláudia Cardinale, Ingrid Bergman. A gente vai amadurecendo, ficando mais atento à arte e as musas vão sendo substituídas. É quando surge a visão mais crítica e o desempenho da atriz já conta mais ponto.
Florinda Bolkan não estava na lista inicial. Entrou na minha galeria por acaso, quando eu fazia um estágio no Instituto Agronômico de Campinas, logo após a minha formatura, em 1971. Solitário, hospedado numa pensão indicada pelo saudoso colega Eloys Giacomelli, saí numa ensolarada tarde de sábado para caminhar sem destino por Campinas e passei frente a um cinema. No anúncio o filme Anônimo Veneziano, estrelado por Florinda Bolkan, que veio a marcar toda minha geração. No enredo da fita Tony Musante é um músico famoso, que, seriamente enfermo, convida a ex-mulher, interpretada por Florinda Bolkan para visitá-lo. Enquanto conversam sobre o antigo relacionamento, o amor e a vida, as imagens de Veneza se sucedem ao som da bela trilha sonora de Stelvio Cipriani. Inesperadamente, Anônimo Veneziano se tornou um dos meus filmes inesquecíveis e Florinda Bolkan entrou na galeria das minhas musas. Por ser linda, sexy, pelo desempenho em cena, por ser brasileira, nordestina e cearense!
Florinda Bolkan nasceu na pequeníssima Uruburetama no Ceará. É neta de padre, filha de um deputado, trabalhou na Varig e aprendeu a falar fluentemente inglês, francês e italiano. Um dia foi descoberta pelo famoso cineasta Luchino Visconti e, logo no primeiro filme, contracenou com o beatle Ringo Star!
Já instalada na minha galeria de musas, sempre que eu ia a serviço para o Ceará passava próximo a Uruburetama e imaginava como é curioso o destino reservar para uma menina daquela pequeníssima cidade do Nordeste um futuro tão destacado e brilhante. Lembrava-me que Florinda contracenou com Jean-Louis Trintignant, John Cassavestes e Annie Girardot e do conhecido diálogo com Vitório De Sica quando contratou Florinda para fazer Amargo despertar: "Escolhi você porque seus olhos são de quem já conheceu a fome". A resposta de Florinda Bolkan foi: "Quem nasce no Ceará traz uma carga de verdade dura e forte".
Não sei se o fato de ser fã aproxima. O certo é que eram muitas minhas viagens ao Ceará por conta do trabalho com frutas tropicais, sempre passando por Uruburetama, em direção ao norte do Estado. Numa destas destas idas, li no Jornal O Povo, de Fortaleza, que Florinda Bolkan visitava sua cidade natal. Realmente, ao passarmos por lá sentimos o clima de recepção. Carros ocupavam as ruas da pequena cidade, faixas, gente humilde nas praças e esquinas, homens engravatados, certamente políticos que aproveitavam a presença da artista para se promoverem.
Nosso destino era a Serra da Ibiapaba. Mas, convenhamos, diante de uma oportunidade de ver Florinda Bolkan em Uruburetama, seria pecado atrasar um pouco o trabalho? Ibiapaba e Ubajara que esperassem! Com este forte argumento, convenci o motorista que me conduzia a uma parada na cidade. Estacionamos o carro da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Ceará (EPACE) numa rua lateral e nos postamos numa praça, como os uruburetamenses, no aguardo de Florinda Bolkan, que, horas depois, passou caminhando com toda sua elegância e sensualidade, multidão a seguí-la, cumprimentando os seus conterrâneos, eventualmente abraçando um ou outro.
Não foi possível um contato maior. Nem um autógrafo, nem uma palavra, um olhar. Como enfrentar aquele mundão de gente e se aproximar de uma estrela, ícone do cinema internacional nos anos 70? Impossível!
A multidão passou, deixando atrás de si um vazio na rua de casas com janelas abertas e portas escancaradas, como era comum nas pacatas cidades do interior. Ao nosso lado, um menino que distraidamente fazia um pião girar na calçada da praça, pouco se importando com a presença da atriz, perguntou de onde éramos.
- Da Bahia? Vieram ver Florinda? Aquela na janela lá adiante é D. Nenê, a avó de Florinda...
- Avó de Florinda??!! D. Nenê???
Saímos de Uruburetama sem ver Florinda Bolkan de perto, sem um autógrafo, um sorriso ou um olhar. Mas conhecemos D. Nenê, a avó dela. Gente fina! Já é alguma coisa, não é?