Paira
Pairar: mover-se ou agitar-se com lentidão no alto; sofrer, padecer; hesitar, vacilar; parar, suster, aguentar.
Paira uma tristeza...
em olhares perdidos,
na lembrança que gera um riso
e logo um pesar.
Paira uma vontade e um medo...
de escrever, de não escrever
de passar por uma rua, de não passar
da visita obrigatória inexistir agora
de chegar-se a um portão
de ver uma porta aberta e chamar vóooooo.
Marca-se o dia da tristeza maior:
estrada, chuva, rio
e ninguém sabe ao certo como foi
e a quem importará, porém amanhã...
contam-se os meses.
Passeio pela casa; a cor cinza do portão, plantas na garagem,
sento-me na cadeira de fio e ela no tamborete com o crochê.
Penso: vou pintar uma caixa ou uma cesta bonita
para a guarda das linhas e do trabalho empenhado.
Passo pelo quarto – a cama bem estendida, talvez a boneca...
Na sala, o quadro com girassóis, na mesa da cozinha alguns retratos e canecas (?)
Quão pouco tempo estas imagens permanecerão?
Flores na janela da cozinha e nos buracos do tronco que sustenta a caixa d'água.
Uma espiada no quintal do vizinho para ver as galinhas,
o pé de mangueira...
ou já foi cortado a tempos?
Pairam coisas para repartir-se
intrigas por certo a surgir
a movimentação de móveis imóveis
paira o som de uma voz e de uma risada
que não se quer perder.
Pairam duas mãos unidas com o terço,
a medalhinha presa à blusa,
dedos e mãos percorrendo os fios de cabelo,
as rugas endurecidas, a barriga gordinha.
Pairam abraços solitários e beijos de despedida.
Paira o ruído de tijolos e cimento,
os passos a andarem na terra dos mortos
homens carregando o que costumam chamar de corpo,
o qual eu chamo de vó,
e sigo carregando com “sofrer, padecer”
parando, sustendo, aguentando.