Paira

Pairar: mover-se ou agitar-se com lentidão no alto; sofrer, padecer; hesitar, vacilar; parar, suster, aguentar.

Paira uma tristeza...

em olhares perdidos,

na lembrança que gera um riso

e logo um pesar.

Paira uma vontade e um medo...

de escrever, de não escrever

de passar por uma rua, de não passar

da visita obrigatória inexistir agora

de chegar-se a um portão

de ver uma porta aberta e chamar vóooooo.

Marca-se o dia da tristeza maior:

estrada, chuva, rio

e ninguém sabe ao certo como foi

e a quem importará, porém amanhã...

contam-se os meses.

Passeio pela casa; a cor cinza do portão, plantas na garagem,

sento-me na cadeira de fio e ela no tamborete com o crochê.

Penso: vou pintar uma caixa ou uma cesta bonita

para a guarda das linhas e do trabalho empenhado.

Passo pelo quarto – a cama bem estendida, talvez a boneca...

Na sala, o quadro com girassóis, na mesa da cozinha alguns retratos e canecas (?)

Quão pouco tempo estas imagens permanecerão?

Flores na janela da cozinha e nos buracos do tronco que sustenta a caixa d'água.

Uma espiada no quintal do vizinho para ver as galinhas,

o pé de mangueira...

ou já foi cortado a tempos?

Pairam coisas para repartir-se

intrigas por certo a surgir

a movimentação de móveis imóveis

paira o som de uma voz e de uma risada

que não se quer perder.

Pairam duas mãos unidas com o terço,

a medalhinha presa à blusa,

dedos e mãos percorrendo os fios de cabelo,

as rugas endurecidas, a barriga gordinha.

Pairam abraços solitários e beijos de despedida.

Paira o ruído de tijolos e cimento,

os passos a andarem na terra dos mortos

homens carregando o que costumam chamar de corpo,

o qual eu chamo de vó,

e sigo carregando com “sofrer, padecer”

parando, sustendo, aguentando.

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 24/02/2012
Código do texto: T3517278
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