O DOCE REENCONTRO
Ali estava ela, tangível e sedutora,
A estrela de meus sonhos,
Bela como sempre fora!
Quando o Júnior ligou, notei certa emoção e cautela em sua voz. Perguntou por Elione, e se me encontrava a sós; diante da afirmativa pediu que fosse à sua casa. O motivo seria uma grande e aguardada surpresa que estava à minha espera. Contudo, por todos os santos negou-se peremptório a fornecer maiores detalhes. Meus olhos brilharam de franca alegria e paradoxalmente receosa ansiedade. O que seria? A princípio nada me ocorreu; não havia nenhuma expectativa a me dominar ou esperar por aqueles tediosos dias. Não dono de mim, peguei as chaves do carro e parti.
No caminho, urdia mil conjecturas do que poderia ser a grata surpresa do amigo sem, no entanto, descartar uma de suas inúmeras brincadeiras. A chuva abrandara ao chegar defronte ao Colégio Estadual, distante a pouco da casa dele. Com isso, um calafrio cortou-me por dentro e com ele um sentimento de insegurança aflorou.
Agora sim, voltara a chover copiosamente. Freei o veículo frente ao portão acionando --- conforme o costume --- a buzina. Subitamente o portão desliza coincidindo alguém gritar tentando demover o vulto que avança sobre ele; do interior embaciado do carro pouco se via; estático na chuva, o vulto permanecia no limite do portão, expondo-se ao temporal que desabava impiedoso. Não por razões naturais o coração cismou-me bater forte impelido pela intuição de ser ela. Imediatamente saltei do veículo em meio ao temporal reconhecendo-a finalmente. Atemorizado me encontrava, levado ainda pela incredulidade toquei-a na face. Permanecíamos em silêncio ante os gritos do Júnior exigindo-nos a entrar. Mas não havia como entrar, não havia como fugir da chuva, não havia como deixar de admirá-la e ela a mim. Em transe, nossos corações transcendiam os fatos mortais para gozar ali a surpresa e a alegria do reencontro mágico.
E como um tapa me tirasse daquele transe magnético, beijei-a estabanadamente. Beijei-a tendo-a na ponta dos pés; afoito, apertava-a a ponto de tê-la arqueada à minha cintura... e daí começamos a rir, um riso tímido, espaçado, que lentamente foi tomando ritmo a terminar em risada descabida,idiota até.
Do riso incontido passamos ao choro sentido, portador e intérprete de sofridos sentimentos da separação.
Eu a olhava nos olhos e não acreditava em mim. Segurava firme seu ombro e por momentos brincava enrolando os cachos de seus cabelos molhados como forma de comprovar tal realidade. Sim, ali estava a minha doce amada, sonho fugidio a quem o destino sorrateiro me roubara; ali estava, tangível, bela e sedutora como sempre fora, a estrela de meus sonhos, aquela a quem meus sentimentos evasivos e contidos amou-a em silêncio.
Arrepiados, vivíamos o clímax da emoção, tocando-nos mùtuamente na busca de confirmar a realidade mágica a qual nos envolvia em confortável redoma, onde nos mantínhamos calados, trêmulos, sob o efeito da expectativa de trinta anos de separação.
“Quanto tempo e quanta perda, amor!” Foi o que consegui dizer. Tínhamos tanto a falar, mas, as vozes embargadas sumiam; então, falávamos com as mãos, com os olhos, com outras maneiras gestuais, pois, palavras não condiziam com a emoção e a alegria do reencontro. Éramos dois adolescentes com todos os sonhos, com todos os desejos abertos à felicidade, não mais que ela, a felicidade veemente.
Mas e as conseqüências para os laços atuais?
A julgar nossos atos refugio nas considerações de La Rochefoucauld que, por sua vivência e tolerância humanas, carregaram-se de piedosa leniência: “Cometem-se muito mais traições por fraqueza do que em conseqüência de um forte desejo de trair.”
Que os céus nos sejam propícios e nos fortaleçam!
(imagem google)