DE TUDO NESTA VIDA EU JÁ FUI...

De tudo nesta vida eu já fui... Nas duas décadas dela, fui princesa e plebéia, patroa e empregada, contratante e contratada, de tudo me vesti, e de tudo encenei...

No teatro da vida, o trabalho foi meu amigo, eu o dividi com as bonecas, as fantasias, mais tarde com os livros a agora com os anseios. Iniciei nas ruas de minha cidade, nas tardes de verões, vendendo iogurte, conquistando clientes, anos mais tardes, vendendo perfumes, lingerie, maquiagem, logo, cansei do sol e da fadiga, procurei estabilidade e sem pensar fui limpar.

Limpar rastros, sujeira alheia, lavar, esfregar, pois, no fundo procurava um futuro, aqueles que nas tardes de verão eu sonhava, diferentemente do que se pensava foi um bom tempo, aprendi muito, um período que me fez entender quem eu era.

Nas manhas sonolentas, esfregava o chão, nas tardes, cansada refletia a vida, e no refletir fui vivendo, prometendo para mim mesma de que eu jamais prolongaria aqueles dias, contudo, seus mistérios foram me encantando, não o esfregar, mas o revelar de um mundo, o qual eu não conhecia.

Com a vassoura na mão, aprendi o que era ser educada, culta, tolerante, perspicaz e compreensível. Ali não era mais a faxineira, e sim, a garota inculta que ansiava conhecer as coisas belas da vida.

Quando dei por mim já se fazia meia década...Desejando um ganho melhor, fui ser carteira, entregar carta, separar, arrumar, enquadrar...Conheci novos vocabulários: escaninhos, lote, quadra, cdd, terceirizado, e assim por diante.

Esperavam que eu logo desistisse, eles não sabiam que a carteira era a mesma garota de quatorze anos que saia às 13 horas no sol de trinta e oito graus à procura de revendedoras, e voltava cansada, exausta, mas confiante de que conseguiria no outro dia, talvez, alguém encontrar.

Como aquelas manhas me sufocavam, aquelas cartas me matavam, nunca quatro paredes me tiraram tanta alegria em tão pouco tempo, contudo, as ruas me satisfaziam, as pessoas me amavam, eu era uma estranha querida, uma carteira desejada, levava noticias boas, era sempre esperada.

Desde o levantar, ansiava por esta hora, a qual nunca chegava, e por não esperar por estas horas infindáveis, consegui o meu próximo emprego, tudo como o protocolo exige: bom salário, carteira assinada, ganhos extras, ar condicionado, cadeira almofadada.

Tudo que durante anos, no sol escaldante, eu havia desejado aquele emprego... Sem pensar, com o sorriso no rosto fui trabalhar. Vinte dias depois percebi que era mais um proletariado, que fora sucumbida pela fadiga, meus neurônios cediam ao cansaço, a cada dia, mais burra eu ficava.

Com medo de ser mais uma que ao amanhecer e anoitecer vive os mesmos papéis, pedi demissão e fui embora, escondendo a todos para onde eu iria. Voltei a lavar o chão, esfregar a roupa, cozinhar o pão, mas, diferente.

Estava bem , feliz , até que um dia ao descer do ônibus perguntei-me o porquê eu havia voltado, por que bati na mesma porta, preferi os mesmos caminhos, nada obrigara a fazer isto mas eu, como um estigma voltei...

Sabia que logo sairia, e que jamais voltaria, mesmo voltando, não seria a mesma coisa, aqueles tempos de um novo conhecer... Antes que eu esperava, sai e iniciei uma nova caminhada, agora, ensinado, direcionando, guiando...

Entusiasmada, ainda nos primeiros dias percebi que a educação não era todo aquele atrativo, compreendi que meus dias seriam intercalados com bons e difíceis.

Mesmo assim, sentia o prazer de poder ajudar, esclarecer, levantar. Uma sensação que era boa. Mas, o” mas “ de todas as caminhadas, de todos os trabalhos, este mesmo que sempre concordava em um bom tempo e em dias melhores por vir .

Este “mas” que nunca me deixa, sempre soa ao meu ouvido de que posso ser melhor, viver melhor, ganhar melhor, experimentar coisas melhores... E, eu não o faço calar, ao contrário, o acompanho...

Agora, divido meu dia entre a sala de aula e os livros. Tenho um novo emprego, sem remuneração, muito gasto, porém, se eu não o considerá-lo desta maneira, não conseguirei o que tanto almejo. Meu novo labor me concede o nome de concurseira.

Aquela que era considerada como tola, a burra da classe, incapaz de ser alguém na vida, agora concorre aos melhores cargos ofertados neste país. Tenho a certeza que pode até demorar, mas, este dia chegará, com gloria e honra. Quando isto acontecer, me dou o luxo de este texto continuar.

Contudo, enquanto o “mas” não se cala, a vida continua a fazer com que o trabalho seja o meu amigo, eu a agradeço, pois no fim, o labor dignifica e me faz tentar entender o que se é viver...