A FILA DA FOME
A fila se estirava longe como uma gigantesca cobra e havia uma grande ansiedade nos rostos afogueados dos que dela faziam parte. Em cada mão uma bolsa de palha, sacolas, sacos de estopa, caixas, qualquer recipiente onde coubesse o máximo do que todos gostariam de receber. No ar o barulho decorrente dos murmúrios, das angústias expressas, dos medos definidos, dos diálogos inesperados, das palavras escapadas, dos sorrisos desbotados. O sol inclemente dardejava sobre todos e queimava-lhes as faces sofridas, os olhos mortiços, os lábios ressecados, os cabelos desgrenhados, e até mesmo o riso se tornava esgar no franzir dos músculos das testas cobertas de suor. Lá na frente, a quase perder de vista, a carreta onde algumas pessoas faziam a entrega das cestas básicas. O temor dos que estavam ainda tão longe dela era acabar tudo antes de lá chegarem. Será que daria para atender a tanta gente se aglomerando naquela linha fina e longa em que se transformara a fila dos interessados?
Lentamente a fila andava, como a rastejar de lesma. Eu segurava duas bolsas de palha, Carlos, meu irmão, um pouco à minha frente, levava igualmente duas. Tínhamos chegado bem cedinho ao local, desde as quatro horas da manhã, como no dia anterior, quando literalmente "morremos" na praia sem receber os alimentos pretendidos. Naquela fila da seca braba torrando o Nordeste, há dias vínhamos tentando conseguir voltar para casa conduzindo ao menos alguns víveres necessários e básicos no intuito de preparar uma refeição decente. Não logramos, tudo em vão até aquele momento. Carlos se enfurecera quando nos avisaram o fim das cestas e que a ajuda do governo do Estado voltaria no dia seguinte. Fomos para casa quase às lágrimas, ele reclamando baixinho, expelindo sua ira, realçando sua decepção, amargando as palavras como se elas tivessem enxofre.
Depois de horas de paciente espera sob a inclemência solar, o suor empapando nossas puídas roupas, vi Carlos aproximar-se da carreta e entregar as duas bolsas de palha, que foram se enchendo de feijão, arroz, sal, farinha, açúcar, óleo, farinha de milho, bolachas, sabão e outros itens da composição da cesta básica oferecida aos flagelados da destruidora seca daquele ano. Carlos, segurando as duas bolsas cheias, olhou-me sorridente fazendo um gesto para eu aguardar minha vez, e eu, todo feliz, levantei o polegar de satisfação enquanto caminhava para também receber a mesma quantidade de alimentos e, assim, garantir por alguns dias o pão em nossa casa. Foram dias difíceis aqueles para todo mundo.