Poema não escrito

Cansado, sonolento, no leito me deito, e logo, ouço o poema a me chamar.Tudo que ele quer é brincar. Percorrem meu corpo, meu quarto, a sala de estar, no escuro da noite, os poemas em legião, estão a gritar. Levanto, papel e pena na mão, madrugada interna, poema sapeca, me molesta, me provoca, me humilha, me exaspera. Foge de mim, de minhas mãos, de minha tinta, de minha arte. Ele está aqui, na minha mente, na minha cabeça, e fora de mim, na escrivaninha, na gaveta. Numa tentativa frustrante de aprisioná-lo num sulfite, tropeço no silêncio, no vazio, no acaso. Ele dorme, hiberna, desaparece, silencia, inexiste momentaneamente. Foi um surto, ilusão, excesso de sono ou informação. Apago a luz do entendimento, trevas da dúvida me envolvem no leito, fecho os olhos, novamente o vejo, é ele, o poema infeliz, me chamando, judiando, me desafiando, outra vez.

Ligo a lanterna astuta, na claridade fajuta, sinto o poema a se aproximar. Risonho e atrevido, prepotente, convencido, digno de mim, de minha arte, idiota, nega-se a si e continua a jogar.

Insatisfeito, insaciado, já sono não tenho, estou escravizado. Poema, sedutor vagabundo, beija-me e me ama, me estupra e me mata, não sai da linha, dos versos, da métrica, só quer brincar e judiar, madrugada inteira poetizar. Estou perdido e encantado, e o poema desgraçado nem vem se apresentar. Amanheci, pena, papel, tinta sobre mim. Sonhos proféticos ditaram sucessos poéticos. Promessas vindouras de um poema promissor; um dia deixo de ser um poeta amador.

R Barbosa
Enviado por R Barbosa em 21/02/2012
Reeditado em 28/03/2012
Código do texto: T3510634
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