OS PRIMEIROS JUNQUILHOS
TEXTO  ESCRITO  EM  17  DE JULHO/2010

Quase 13:00 horas e  acabo de almoçar.Sugestionado por Anita e Giustina,grandes amigas aqui do recanto,estou quase me tornando vegetariano.
Após a ingestão de um feixe reforçado de "mato",disfarçado entre alguns legumes coloridos e um arrozinho básico,satisfaço-me ao agradabilíssimo sabor de "coisa sem graça".
Levanto-me,lépido,leve como pluma,(exagero,é claro) e depois de algo assim tão naturalmente saudável,nada como uma sobremesa ainda mais natural.
Apanho,na propria árvore,duas mimosas.É assim como as denominamos por aqui.Há quem as conheça por tangerinas,mexericas,ponkãs,etc...O egoísmo exacerbado dos sanhaços protesta contra a minha investida,mas não lhes dou ouvidos e saio descascando aquêles frutos sumarentos.
Aproximo-me do portão (estou no terreno onde residiam meus pais.A mimoseira integra o que ainda resta de suas lembranças).O dia não poderia ser mais belo.Depois de longo período de chuvas e frio intenso,abriu-se por inteiro num azul anilado e o sol provoca a sensação de um quase calor.

Frank,meu fiel amigo,faz-me companhia.As arcadas dentárias,escancaradas em seu foçinho,abrem-se num riso de cachorro feliz .Espia-me,apetitoso,enquanto delicio-me com a mimosa.Ofereco-lhe um gomo da fruta. Educadamente,ele o aceita.Prende-o entre os dentes e "cachorramente" cospe-o no primeiro arbusto que lhe surge à frente. Depois,retorna abanando a cauda lanuda com a cara dissimulada de quem achou aquilo "uma delícia!"
Ah!...Meu bom e safado amigo. Penso com meus botões.
Juntamo-nos os dois,proximos ao portão ,feito juncos agradecidos ao sol tépido que nos aquece.
A rodovia à minha frente agita-se em frenético movimento.
Um vai e vem de automóveis, motos e caminhões...
Sou assediado por buzinaços e acenos de mãos.Por um instante sinto-me uma celebridade! (Vê se te enxerga,meu!...Fala-me a discreta voz da consciência que ainda me habita).
Ainda assim, os retribuo à todos.Alguns eu até conheço,outros...a miopia priva-me do reconhecimento.
E a "lagarteada" corre solta.Num dia tão lindo assim,seria um sacrilégio atinar tão somente em trabalho.Então,entrego-me aos prazeres da luminosidade que a tarde põe ao meu dispor.

Subitamente um agradável odor invade-me as narinas.Terno,romântico...quase nostálgico! Busco ao meu redor,naquilo que fora o jardim de dona Hilda e percebo-me quase pisando touceiras de junquilhos que proliferam-se por todos os cantos. Numa delas,quase sob os meus tênis,uma cachada revela a primeira florada dos diminutos lírios perfumados,precocemente abertos para este julho invernoso,frio e cinzento.
Oferecem-se por entre as fendas de tijolos do antigo passadouro. Insinuam-se,como se quisessem lembrar-me de quantos agostos já estivemos juntos ou a insinuar por quantos outros haveremos ainda de nos reencontrar!?
A memória olfativa remete-me aos jardins de Angelina,a "nona italiana".
Retomo-lhe , emocionada,ante a visão primeira dos pequenos lírios abrindo-se em canteiros ladeados de tijolos.
_"Dio Mio!...Ma que belo!"
Minha reação chega  a  ser quase semelhante rsrs...
Busco-me no tempo e,então...
Outra vez aquela ponte...A puberdade fazendo a travessia...Menino - homem. Aquêle estranho calafrio no percurso quando o coração dispara...
E uma vez mais aquela tarde azul,de um agosto longínquo.Luzir de torres entre araucárias,acordeons,quermesse e... Ela.  A bela da tarde!...Azul eram as vestes,de esmeralda eram os olhos.Ouro escorria pelos cabelos e...Os junquilhos prêsos atrás da orelha.
Refazem-se os mesmos passos , serpenteando cheirosos os trilhos da estradinha d´ aldeia...

Ah!...Esses precoces junquilhos,atrevidos,insitando este meu velho coração a imaginar-se um "púbere"! Logo agora em que deparo-me na outra extremidade da ponte.
Quem dera!...A realidade,cruel ou não,faz-me agora muito diferente.
E nesta minha tarde,igualmente azulada,penso em alguém que hoje não veste azul,mas resguarda esmeraldas no olhar e tem cabelos cor de sol .E de mim tão proxima,sesteia na tarde.
E à esta com quem ha mais de trinta anos dividimos os pesos de nossas malas costumeiramente desprovidas de alças,oferecerei estes primeiros e quase inconvenientes junquilhos do mês de julho.
E vamos,que vamos!...Frank,que a vida pode ser bela,que a felicidade pode ser feita de pequenas e singelas coisas,como...Um beijo com sabor de mimosa,um ramalhete de junquilhos com cheiro de nostalgia,sob um céu intensamente azul borrado levemente de uma lua crescente que será de prata quando chegar a noite.

E a noite,você sabe... Sempre pertenceu aos poetas e...Aos enamorados.