MORRER DE (SEM) AMOR
Um belo dia acordou especialmente feliz. Olhou em volta e percebeu que o mundo estava mais bonito. O sol mais brilhante, os pássaros mais melodiosos, as flores mais perfumadas, as pessoas mais sorridentes e ao olhar-se no espelho viu, estampada em seu rosto, a imagem do amor!
Sim, era o amor que enfim chegara, com sua beleza, com seu esplendor, com sua energia e seu encanto. O amor, tão esperado, tão sonhado, cantado em versos e prosas estava ali, dentro de si. E o mundo se fez seu.
E entregou-se àquele amor sem medos, sem pudores, sem ressalvas. Profundamente, intensamente, exatamente como o amor pede para ser amado: em toda a sua plenitude.
Cantou, dançou, gargalhou. Planejou, fantasiou, extasiou-se.
Era a vida, pulsante, vibrante, generosa brotando dentro de si com a força que só o amor proporciona. E viveu.
E quando o mundo parecia seu, quando era dona da situação, sentiu uma dor aguda. Estancou e ouviu uma voz gelada sussurrando ao longe: acabou-se. De repente o sol foi encoberto por uma nuvem cinza, carregada e um tremor percorreu seu corpo inteiro. Olhou em volta e nada viu. Só uma dor inexplicável consumindo suas entranhas. Um pranto desesperado, angustiado brotou incontrolavelmente. Estava no meio de um turbilhão agitado, que tirava seu fôlego e minava suas forças. O pior era aquela ignorância, sem explicações, sem motivos e sem consolo.
Só o barulho ensurdecer do silêncio que furava seus tímpanos e estrangulava seu peito.
Até que a verdade açoitou-lhe a face como um chicote impiedoso: vivera uma mentira. Amara sozinha, estivera sozinha, fora usada e descartada. Sonhara um sonho só seu. O resto, foi ilusão.
Desde então, tudo se perdera: o amor, a paixão, os sonhos, a esperança, a beleza e a poesia. Só restara angústia, tristeza e solidão.
Mergulhara em um abismo profundo, escuro e gelado. Os dias se arrastavam insípidos e sombrios. Definhava lentamente. Já não chorava, pois o pranto secou.
Então, em um desses dias sombrios e frios, ela chegou. Marcada pelo peso de sua missão, silenciosa, indelével, misteriosa, tão certa como talvez a única coisa nesse mundo dos mortais.
Ela a olhou e disse: - você demorou, ao que a outra com um olhar cansado, respondeu: - não minha querida, cheguei exatamente na hora certa, determinada. Tu é que desejou antecipar-me a chegada. Estás pronta?
-Estou cansada, muito cansada. Não sei se tenho forças para acompanhá-la.
- Não te preocupes. Trouxe comigo mensageiros que foram enviados para auxiliá-la nessa viagem. Eles te carregarão no colo. Relaxe.
- Antes de partirmos, diga-me: como alguém pode morrer de amor?
Fez-se um silêncio interminável, até que a visitante retrucou:
- Engana-se amiga; não se morre de amor, mas pela falta dele. O amor não mata, ao contrário, o amor é a própria vida. Os homens é que o matam a cada dia, com seu egoísmo, sua indiferença, sua maldade; com seu desprezo, sua deslealdade, suas mentiras e sua insensatez.
- Mas eu não matei o meu amor! Por que estou morrendo?
Tão calmamente como chegou, e de modo definitivo, a outra respondeu:
- Mataste sim, o teu amor próprio. Ao amar o outro mais que a si mesma, acabaste por cometer suicídio.
Vamos?
As Sem - Razões do Amor
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
E com amor não se paga.
Amor é dado de graça
É semeado no vento,
Na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
E a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
Bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
Não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
Feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor.
(Drummond)