O meu ensopado existencial




 
            Quero dizer nesta crônica que sou fã incondicional do grande filósofo espanhol Ortega y Gasset. Por isso mesmo, estreei aqui no Recanto falando do Ortega. É dele o pensamento de que nós somos nós e  nossas circunstâncias. Lá vou eu filosofar de novo. O meu pessoal mais próximo já me conhece e sabe que tenho desses surtos filosóficos de vez  em quando...
            Minha primeira paixão na filosofia foi o velho Descartes, francês, fiquei  fascinado com as ideias claras, que a razão elabora.  Mas acho que o bom do Mestre  foi quando disse que tinha apenas verdades provisórias.
            É onde quero chegar. Verdades provisórias: que sacada, hein?  Esse homem que tinha um fetiche interessante, só gostava de mulheres estrábicas, se não fosse zarolha não colava pra ele. O que me faz lembrar logo da Sandra Bréa, com seu pequeno estrabismo sensualíssimo. Morreu cedo, aos 48 anos, vítima de câncer. Sua estréia na TV foi na lendária novela  “O Bem Amado”. Descartes não a deixaria em paz.
            Hoje, não consigo nem mais ver essas  “verdades”, nem clareza alguma.   A mudança é a grande característica do universo em que vivemos. Tudo muda, tudo passa e até nossos paradigmas vão se transformando. É por isso que não perco mais tempo em defender meus “paradigmas”, e não quero mais me assustar com as novas gerações, com os novos costumes.
            Recordo-me bem que a geração do meu pai se amedrontou com a minha geração. A dele era chamada de geração perdida, perdida que foi com as duas grandes guerras mundiais. E a minha  era a geração da juventude transviada, dos revoltados sem causa , tudo embalado ao som do rock and  roll do nosso Elvis Presley.  James Dean foi  um dos ídolos da minha geração. Naquela época, inventávamos um certo vazio existencial só pra nos revoltarmos. Era muito gostosa essa revolta, essa cara de amuado com a vida, com papai e mamãe nos protegendo de tudo, nada nos faltando. Mas nos revoltávamos, mesmo assim!
            Estou escrevendo isso para dizer aos amigos e amigas que não vão mais me ver a lamentar a geração atual. Está tudo certo, ou melhor, está tudo como sempre foi o mundo.
            O difícil é saber fazer um bom guisado dessa mistura de gostos, costumes, visões de mundo, procurando chegar a uma síntese razoável disso tudo.
            Gostei de saber, pelo livro recém-lançado do ex-Presidente Henrique Cardoso, de que ele se diz cartesiano (Descartes), com pitadas de candomblé. Fez a escolha dele.
            A minha pitada é o Brasil.  Não abro mão da minha brasilidade. Está bem, faço concessões a pequenas pitadas das outras nacionalidades,  afinal, eu mesmo estou citando o Ortega e o Descartes,  sempre se aproveita esses restinhos para o ensopado da vida. A vida é opinião, não há como sair disso.
            Nem sei por que estou dizendo tudo isso. Não,  amigos e amigas,  não estou revoltado. Essa época já passou.  Na verdade, quero saber quais são as minhas pitadas dentro do meu racionalismo. Quero saber o que faço com a minha circunstância, como diria, o grande Ortega.
            Na verdade, na verdade quero saber como olho o mundo, isso é que me vai distinguir das demais pessoas. Olho com meus olhos ou com os olhos dos outros?
            E o mais importante,  vou me ater a quê? Qual o sentido que vou dar à minha vida?
            Qual será a minha escolha que me dará felicidade, apesar do mundo à minha volta?
            O amor é uma escolha profunda, já dizia o nosso Ortega.
            E ainda nos diz  que o amor vive do pormenor e procede microscopicamente. Essa frase me agrada muito porque sempre gostei do detalhe e do singular, o universal não me atrai.
            Parece que a maioria de nós escolhe mesmo o amor para dar sentido à vida.
            No entanto, nossos corações são tão confusos e  batem tão descompassadamente que acabamos por abandonar essa escolha tão vital para nossas vidas... E nossas vidinhas se tornam áridas, amargas.
            Mas imagino que as pessoas que conseguem dar um sentido às suas vidas, ganham a felicidade. O nosso grande Joaquim Nabuco assumiu um compromisso na sua vida adulta: a luta pela libertação dos escravos. Vejo claramente o amor por trás desse grande compromisso. E a luta dele foi simplesmente maravilhosa.
            Não tenho mais dúvida de que o amor, nas suas mais variadas formas, é que move o mundo.
            Bem, o surto está passando, sinto-me melhor. Está dado o meu recado subliminar: as crônicas continuarão, mas meus versos de amor, também...