O Fim da Solidão

Doía-lhe na alma a solidão. Não sabia o que havia errado consigo, simplesmente sentia-se abandonado, inadequado ao mundo existente, completamente perdido. Um paria que errava a esmo, quando decidiu ir a um cinema num shopping center mais distante de sua casa, em busca de um filme que retratasse o sofrimento de outras pessoas. Talvez a comparação com vidas sofridas e infortunadas o fizesse se sentir melhor...

A ida a esse shopping center, no qual já estivera noutras oportunidades, revelou-se complicada como sua existência. Por vezes se perdia, seguia por caminhos errados, nem mesmo conseguia concentrar-se em seu itinerário. Finalmente conseguiu chegar. Era uma noite fria, o que lhe aumentava a sensação de abandono.

Caminhar pelo shopping lotado também se revelou dolorosa experiência. Definitivamente ele não se identificava com o público que frequentava o lugar. Sentia-se solitário, extremamente solitário, em meio à multidão. Seu desencanto apenas se consolidou quando viu a fila enorme diante do cinema. Seria impossível aguardar na fila e comprar ingresso em tempo de ver o filme que escolhera. Além disso, bem sabia que cinema lotado não era algo de seu agrado...

Desiludido, resolver caminhar sozinho, como que para melhor conhecer o lugar, perdido que estava mesmo, pelo menos poderia divagar em seus pensamentos. A decisão acabou se revelando terrível, pois não conseguia tirar o amor recentemente perdido de seu pensamento. Toda mulher com alguma característica parecida com a que lhe abandonou chamava sua atenção e lhe infligia maior saudade e sentimento de perda. Algo semelhante sentia ao passar perto dos inúmeros casais, como se fosse ele a única criatura solitária a existir... Não conseguia entender aquela sensação de vazio que tomava seu ser, aquela melancolia profunda, sua inadequação ao mundo... Caminhava ermo, devagar, cabisbaixo, nada o distraia. No semblante, a tristeza, no ombro parecia que suportava o peso do mundo. Sequer aguentava mais simplesmente estar ali. Pouco tempo se passara desde que havia chegado, mas já não podia ficar. Resolveu ir embora.

E o caminho de volta se revelou ainda mais difícil que a vinda. Novamente se perdia, não conseguia tomar direção alguma, andava em círculos. Após muito rodar, viu-se de novo de volta ao shopping... Era como se sua vida fosse assim mesmo, com todos os caminhos levando sempre ao mesmo lugar. Nem sentia muita força de vontade, quase largava o volante do carro, quase fechava os olhos, quase não via para onde estava indo. Simplesmente tentava chegar em casa por tentativa e erro, enquanto o tempo passava...

Em verdade, seu pensamento não estava mesmo na direção que tomava. Qualquer rua, qualquer estrada, serviria a seu propósito. Sua mente estava anestesiada. Agora não lembrava mais apenas do fracasso recente... Lembrava também de amores passados, do casamento que deu errado, da falta de perspectiva de vida, da ausência de motivação em seu ser, da solidão existencial numa cidade grande, dos desejos que nunca realizou... Sentia-se um fracasso, um completo fracassado. Era como se tivesse apostado suas fichas no jogo da vida, mas seus números não foram sorteados, seus planos deram errado, o tempo passava e nada conseguia conquistar, não apenas no campo sentimental, também no profissional, na satisfação própria. Os poucos amigos que tinha, não estavam disponíveis. A família morava longe. Também não importava mais. Ele se consumia no vazio, aquele imenso vazio que dominava o interior de seu ser, que o impedia de pensar, de agir, de se aceitar como alguém no mundo. Não se reconhecia, não sentia prazer na vida, nada mais lhe interessava. Só o sentimento de fracasso o contagiava, de forma tal que era cada vez mais impossível resistir. Afinal, se um pensamento derrotista se esgotava (o que só acontecia ao sabor do momento), muitos outros tinha já preparados para lhe magoar. Era só sentir, era só chorar... Começou a chorar desconsoladamente enquanto dirigia. Mas, mesmo assim, mantinha certa vergonha em ser visto por outros motoristas, pois seu pranto era cada vez mais intenso, inescapável, irresistível... O mundo havia perdido a graça, sua vida de fato não fazia mais sentido. Um fracasso, era apenas assim que ele se reconhecia.

Em meio ao choro, num estampido de raiva, o destino providenciou-lhe a salvação. Por alguns segundos acelerou seu carro ao máximo, atravessando a pista na contramão e dirigindo-se direto para o barranco que dava ao rio. Não parou de acelerar enquanto não sentiu o impacto que fez com que batesse a cabeça no volante e ficasse quase inconsciente. Sentia a água fria, fétida e escura que entrava com força e decisão pelo veículo. Mas preferiu fechar os olhos e se manter imóvel. Não tinha forças para reagir, não valia a pena continuar com aquele sofrimento. Quem sabe, assim, morto, teria a atenção de alguém, como sempre quis... Deixou-se perder a consciência... Pôs fim à sua existência.