Lembrando outros carnavais
Um pouco antes do carnaval, minha mãe e tia Marina, a mãe dos meus cinco primos, começavam a preparar nossas fantasias. Como éramos muitos, formávamos um bloco. Houve um ano em que saímos de jardineiro, decerto para combinar com a jardineira por que estás tão triste... Vestíamos calças xadrez de suspensórios e tínhamos um bonezinho vermelho. Num outro ano, saímos de marinheiro, com calças azuis e camisas com âncoras bordadas numa golona. Na cabeça levávamos gorrinhos brancos. Só uma vez pude realizar o que sonhava: não acompanhei o bloco e saí de havaiana.
Assim fantasiados, íamos ao baile das crianças, cantávamos e dançávamos a tarde inteira. Durante o carnaval, gostávamos de brincar com serpentinas, confetes e lança-perfume. Fazíamos também muitos trabalhos. Entrelaçando serpentinas de cores variadas, fabricávamos sanfoninhas, tapetes, bonecos e bichinhos. Depois, isso tudo ia para uma exposição em casa de vovó onde os adultos podiam admirá-los. A um canto da mesa, sempre deixávamos um pires...
Muito me divertia ver os mascarados que passavam pelas ruas mexendo com as mulheres.
Já mocinhos, passávamos o carnaval em Ubatuba e frequentávamos os bailes noturnos, embora ainda não tivéssemos dezoito anos. Uma vez apareceram duas múmias enfaixadas da cabeça aos pés. Uma delas ficou me perseguindo, achei até engraçado. Eu ia para um lado, a múmia ia atrás. Ia para outro, a múmia ia atrás. Comecei a pensar que debaixo daquelas faixas pudesse estar um rapaz bonito. Acabei aceitando dançar com a múmia e quando ela me deu a mão, eu vi. Em um de seus dedos havia uma verruga. Igualzinha aquela que o Paulo estava lidando pra fazer cair... Foi um desapontamento geral, meu irmão não podia mais enganar ninguém e eu percebi que não dançava com nenhum faraó.
Os bailes acabavam às quatro da manhã e antes de voltarmos para casa, passávamos na padaria ainda fechada, éramos atendidos pela porta dos fundos. Sentados no meio-fio, comíamos pães quentinhos enquanto o dia clareava.
Havia também o Banho da Dorotéia. Terça-feira à tarde um corso saía do Cruzeiro em direção ao Perequê, a bandinha tocando na frente, seguida de carros, o ‘trenzinho’ e gente a pé. Todo mundo com fantasia de papel crepom. Lá na praia, entrávamos no mar ao som das marchinhas.
(1994)