Família brasileira

Eram tempos difíceis para aquela pobre família do recanto de algum lugar úmido, sombrio e barulhento da grande São Paulo. Viviam encolhidinhos naquela casa uma família bem grande. Ao contrário do que muitos pensam, lá, além de não existir dinheiro, também não existia felicidade.

Eles se consideravam algo inútil ao progresso do Brasil, julgando-se inadequados para o seletivo mercado de trabalho. Não eram dignos daquele sorriso estampado nos rostos daquelas pessoas transeuntes que viam nas grandes ruas e avenidas. Era lastimável a situação de pobreza e desamparo daquela família.

Não aceitavam a ajuda de outrem. Cestas básicas? Uma afronta! Que brasileiro é esse que não recebe o dinheiro suficiente nem para se alimentar? Por que aceitaria esmolas? Não eram mendigos. Tinham consciência disso. Mas passavam fome.

A música diária naquela casa era o choro das crianças famintas de leite e comida. E como havia crianças... Cinco ao total! Todas pequeninas e raquíticas. O Pai não deixava se alimentarem de terra. Por acaso vocês são minhocas? Não, isso não.

E os dias se passavam como se as horas fossem meses. Não havia relógio lá, mas sabiam que o tempo era devagar.

Uma adolescente estava grávida. Contava seus treze anos de tristeza. A Mãe ficou muito brava. Mais uma boca para alimentar!

Quase não conversavam entre si. Era apenas o básico, e de resto, os olhares se falavam, se compreendiam.

As palavras do Pai eram sempre xingamentos contra a Pátria. Maldizia ser brasileiro, sem comida e sem dignidade. A Mãe apenas abaixava a cabeça e orava, pedindo salvação pelas suas almas sofridas. A filha mais velha que nunca havia frequentado uma escola, quase nunca estava em casa. Voltava ao amanhecer, trazendo um pouco de dinheiro e pão para o desjejum. Os pais não questionavam a origem do dinheiro, e ela se sentia aliviada por isso. Já tinha seus quase quinze anos. Sabia se virar sozinha.

Não tinham cachorros, nem gatos, nem passarinhos. O Pai não deixava. Dizia ser pecado prender animais. Na verdade, ele que era cético até da sua Pátria, escondia o motivo verdadeiro: com o que alimentaria esses pobres animais? Restava sim, um sentimento humano maior naquele homem, cujo coração batia quase sem sangue.

Amanhecia um dia diferente naquela casa. Não se ouvia o choro de costume dos pequenos famintos. A menina grávida parecia dormir profundamente, assim como o feto no seu ventre esquálido. O Pai e a Mãe estavam abraçados na cama. Um amor resplandecia dos seus rostos. Uma expressão há muito tempo desaparecida nas suas vidas.

Foi isso que a menina de quase quinze anos encontrou ao chegar em casa. Estranhou não ouvir a algazarra das crianças à espera do pão fresquinho...

Apenas um ar estranho e sufocante estava no ar. As janelas fechadas e o botijão de gás vazio...

Por que não me esperaram? – Era a pergunta que fazia ao beijar os corpos frios das únicas pessoas que amava.

Quimera
Enviado por Quimera em 16/02/2012
Código do texto: T3503367
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