LEMBRANÇAS: DOS VERÕES, DO LARANJAL E DO TRAPICHE

Nossos verões eram divididos entre a praia em outro estado e o Laranjal. No mês de férias do trabalho, viajávamos para fugir da rotina, geralmente em Janeiro. O outro mês passávamos no Laranjal.

Meus filhos aproveitavam a liberdade que a casa propicia, ao contrário do confinamento e “segurança” do apartamento nos outros meses do ano. Os vizinhos- alguns os mesmos até hoje- tinham crianças que regulavam de idade.

As meninas juntavam-se nas brincadeiras típicas da idade, como brincar de boneca, pular amarelinha, andar de bicicleta, jogo de vôlei, pular corda, andar de patins e patinete, tomar banho de piscina. Quando maiores reuniam a turma do colégio, ouviam música, faziam reuniões para jogar conversa fora à volta da piscina, num “dolce fare niente” jogados na rede, comendo pipocas, picolés ou inventando algo para comer. À noite o programa eram os passeios na orla, alguma festa eventual proporcionada no local onde hoje é o shopping e que anteriormente era uma quadra de jogos com público cativo.

Naquela época o Clube Valverde administrava o trapiche. Como éramos sócios desde a década de 80, quando compramos a casa próximo ao Clube, tínhamos o hábito de transitar pelo trapiche, apresentando a carteira de sócio da entidade. Era, certamente, muito melhor do que hoje, em estado precário, terra de ninguém, mas que assim mesmo se constitui em um belíssimo cartão postal ao mesmo tempo em que denuncia o descaso do poder público.

O Clube, como outros da cidade, enfrenta dificuldades e ainda sobrevive, com festas eventuais que fazem parte do calendário de eventos da Apespel, entidade que congrega os clubes sociais de Pelotas, em sua maioria. Abre suas portas graças ao trabalho de diretores que trabalham para isto, apenas pelo prazer fazendo eles mesmos todo tipo de atividade lá dentro.

Não quero fazer injustiças com outras diretorias, entretanto lembro-me da abnegação de Paulo Curi Hallal na presidência, cujos almoços que realizava aos domingos eram de freqüência obrigatória. A secretária, Dona. Ramona –se não me trai a memória- ligava avisando dos almoços e reservando os ingressos. À tarde havia escolha das tituladas realizada por concurso. Boneca, Cinderela foram escolhidas desta forma.

Lígia G.Satte Alam foi uma linda Cinderela. Eram festas que congregavam toda a família com muita alegria e sem competições acirradas. Esta é uma das características e finalidade dos clubes: reunir as famílias, congregar todas as idades.

O trapiche sempre foi ponto de visitação, no inverno e verão, ponto de freqüência obrigatória dos pescadores. Homens, mulheres, famílias inteiras ali pescavam desfrutando de paz de espírito, tranqüilidade, convivência harmoniosa com outros pescadores amadores. Pescar no trapiche era um bálsamo para a alma de muitos. Uma amiga conseguia suportar os dissabores de sua convivência familiar passando horas sentada a pescar. Era terapêutico.

Na gestão de Osvaldo Ramos e Clori, meus queridos amigos, o trapiche ganhou atenção especial. Além da portaria ganhou um banheiro, rústico é verdade, mas que atendia as necessidades dos freqüentadores. Ficava ao fundo, à direita, na plataforma. Alguns anos depois foi destruído, creio que na mesma ocasião em que um vendaval derrubou outras partes da estrutura.

Foi num dia de procissão de N. Senhora dos Navegantes que meu marido e meu filho foram para lá pescar. Meu filho devia ter uns 12 anos. Arrumou a maleta de pesca, caniço, lanche, refrigerantes e lá se foram. Foi nesta tarde, sob as bênçãos de Nossa Senhora que meu filho conseguiu um feito, que ao ser contado e recontado, muitos achavam tratar-se de mais uma história de pescador. Conseguiu fazer uma pescaria, que para a sua idade e para o local, ainda mais com o movimento dos barcos na procissão se constituiu em um grande feito. Pescou um peixe que aos seus olhos infantis era imenso, se comparado aos outros miúdos que fisgavam a linha. Era uma “cascuda” de quase 3 kg. Não é história não. Meu marido levou para pesar. Para quem imagina que o troféu virou um saboroso jantar naquela noite, enganou-se. O mesmo ficou por meses no freezer para servir de prova do feito realizado, ou do infortúnio do coitado do peixe.

Eu costumava dizer que era um presente de Nossa Senhora que passava ali naquela tarde festiva de devoção, de fé, de agradecimento e louvor.

A natureza retribui com bênçãos o cuidado e o respeito que por ela manifestamos.

Isabel C S Vargas