TAMBORES SILENCIOSOS

(Continuação de Carnaval de Pernambuco II)

Todos os anos, na segunda feira de carnaval, os maracatus do Recife se reúnem no pátio em frente à igreja do Terço, no bairro de S. José, para a celebração conhecida como:

“A NOITE DOS TAMBORES SILENCIOSOS”

São os maracatus de baque virado, que representam a corte do Congo e que tem na figura da Kalunga* o elo entre os espíritos dos ancestrais, que foram trazidos da África como escravos e os seus descendentes “libertos” e que por isso, lhes prestam essa homenagem.

Os nomes dos mortos, em sua maioria, foram apagados da memória, mas a cor da epiderme dos vivos, ainda que esmaecida pela miscigenação, evidencia que o elo permanece vivo.

Perto da meia noite, com os maracatus já posicionados, as lâmpadas dos postes são apagadas para que a iluminação da cena marcante e cheia de significado, para quem acredita na imortalidade do espírito, seja feita apenas pelas tochas.

Sem nenhum destaque especial, a voz forte de um dos componentes se faz ouvir, como num lamento, acompanhado apenas por uma das inúmeras alfaias, batendo em funeral;

“Há mil anos nasci,

Liberto vivia nas selvas de lá,

Num porão de navio me trouxeram prá cá,

Seguindo o caminho das ondas do mar...”

E todos respondem...

“Banzuê, banzuá,

Êlê no banzo, êlê,

Êlê no cê, dê, á...”

A diferença de timbres e de volume das centenas de vozes desse coral, sem ensaio, preenche todo pátio, transformando a cerimônia num momento arrepiante e de rara beleza.

“...Minha vida tão boa,

Livre, atoa,

Em penar transformou,

Fui levado de tanga,

Pro tronco, pro eito,

Deixando escapar

A dor do meu peito...”

Novamente o coral;

“Banzuê, banzuá,

Êlê no banzo, êlê,

Êlê no cê, dê, á...”

De repente, a fumaça cheirosa do incenso ocupa todos os espaços... as tochas são apagadas... e a cerimônia acaba com o soar forte de todas as alfaias, conguês, caixas e o dançar ritmado dos participantes de todos os maracatus, que vão “remando” ** de volta para a mãe África... as lâmpadas dos postes voltam a brilhar e os maracatus se retiram, deixando no pátio vazio apenas a reverberação do som cadenciado.

E assim tem fim mais uma noite dos tambores silenciosos que se repetirá no próximo carnaval, na segunda feira, à meia noite...

Glossário:

*Kalunga = boneca, na língua Yorubá.

**A coreografia feita pelos braços dos dançarinos, simboliza o movimento de remar.

(continua em Madeiras do Rosarinho)