Perdido no Deserto

- Credo! Que grosseirão aquele seu Juvêncio!
- Por quê? O que foi que ele fez?
- Implicou porque eu subi com ele no elevador social.
- Como é que é?
- Pois é. Virou pra mim, com aquela cara de tacho dele: “serviçais devem usar o outro elevador”.
- E você, Helena?
- Fiz que não entendi. Entrei e pronto. O outro tava recolhendo o lixo! Ia ficar esperando!?
- Tá certa! E ele não falou mais nada?
- Não. Mas, grudou no canto. Parecia que tava com nojo deu. Cheguei a dar uma cheiradinha no sovaco...
- Pra quê, Helena?
- Sei lá! Quis conferir... Vai que o desodorante tava vencido.
- Bobagem, Helena. Você tá mais cheirosa que eu. Acho que ele queria era ficar sozinho.
- Oxe! Vai morar num deserto, ué!
- De certa forma, ele já vive, pobre homem. Um enorme deserto na alma.
- Anhé?
- É, Helena! Ele era muito educado antes.
- Antes do quê?
- Voltando de férias com a esposa e os filhos, ele se envolveu num acidente de carro. Só ele escapou.
- Deus o livre!
- Então, ele ficou assim.
- Coitado.
- Muito. Mas isso não dá a ele o direito de humilhar ninguém. Você fez certo em não ceder.
- Ai, agora já nem sei, dona Zuleica. Eu não sabia disso. E ele tava mesmo incomodado comigo no elevador.
- Ah, Helena! Você, ele se achou no direito de barrar, mas, se fosse eu ou o Elísio, dava na mesma.
- Mas, por quê?
- Não sei. Desde o acidente ele evita as pessoas. Chegou a trocar de emprego para poder trabalhar em casa.
- Ai, dona Zuleica! Que tristeza!
- É, sim.
- Tem quanto tempo, isso?
- Uns dois anos.
- Nossa!
- É, Helena! Ele é um homem muito infeliz. Está mesmo perdido num grande deserto!
- Ô, dó. Vou rezar por ele, depois. Mas, agora, ‘xeu cuidar do almoço que já tá tarde. Me senti meio vazia, sabe?
- É! Acho que te entendo. A gente reclama da vida, dos nossos problemas tão pequenos, quando logo ali, tem alguém sofrendo tanto!
- Bom... Lá isso é verdade. Mas eu tava falando mesmo era do meu estômago. Tá vaziinho, vaziinho.




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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Desertos da Alma
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