THIAGÃO E O ROMPIMENTO DEFINITIVO

O trânsito em Belô está tão complicado que estou evitando ir de carro ao centro da cidade, preferindo usar o “busão”. Afinal sou idoso e tenho algumas vantagens, entre elas não pagar passagem e ter espaço reservado nos bancos da frente. Além do mais fico ligado nas conversas incríveis que costumam rolar entre os passageiros, como as de hoje cedo, ocorridas no interior de um desses coletivos. As viagens costumam ser animadas.

Uma senhora dos seus sessenta anos falava ao celular sentada no banco à minha frente e, pelo seu tom de voz, estava de maus bofes. Discutia com um sujeito do outro lado da linha, soltando os cachorros em cima dele.

“- Genival, eu já falei, não quero saber de mais nada sobre você, ok? Vai pro diabo que o carregue, tá entendendo? ...”

“- +++&&&&...<<<@@@>>>!!!...???”

“- Não me interessa, já disse. Some da minha vida, você pra mim morreu, acabou, sabe? Desinfeta de vez, peste! ...”

“- ???...+++$$$@=]]]###...<^^>@24!!!???...”

“- Olha, Genival, vai pro raio que o parta! Já disse que não interessa, acabou, mixou!... Vê se desaparece, ok?”

“- !!!...++---(Yzç?)<$5%>!?!?!?...”

“- O quê? Ah, joguei fora! Porque joguei, uai! Achei que devia jogar fora, joguei! Você não tem mais roupa nenhuma lá em casa!...”

“-???!!!@@@=+-%%%###!!!...???”

“- Não me interessa, já falei. Olha, hoje tou muito feliz, graças a Deus! Não tou me cabendo de tanta alegria. Tou indo para um compromisso, sabe? Vou comemorar com alguns amigos. O quê? Não quero saber, não interessa, vai se catar, praga! Acabou, tchau!...” - e desligou abruptamente seu aparelho celular.

Imediatamente outro celular tocou na bolsa duma velhota dos seus setenta anos no banco da frente à minha esquerda, bem atrás do motorista, cabelos alaranjados, faces rugosas, grossa maquiagem no rosto esquálido, um batom vermelho sangue nos lábios flácidos. Ela atendeu, eufórica:-

“- Fala, Thiagão? E aí? Tudo em cima? Vamos lá no forró hoje, sem falta, tá?...”

“- !!!kkkkk...$$$???...”

“- Eu vejo você lá, então! Tou muito afinzona hoje, Thiagão! Se liga, falou?...” – desligou o aparelho com um largo sorriso, feliz da vida com o encontro marcado. Thiagão, ao que parece, estava no papo! ...

O motorista ligou o radio e a música do Michel Teló se espalhou pelo coletivo, mexendo com a galera aboletada no seu interior:- "- Nossa, nossa/Assim voce me mata/Ai se te pego, ai se eu te pego ..." - delícia de ritmo dançante.

Sorri discretamente também no meu canto, feliz por ter recebido de graça dois motes para minhas escrevenças do cotidiano. Desci no meu ponto e fui fazer o que me levara ao centro da cidade, já pensando em pegar um “busão”, na volta, tão animado quanto aquele da ida.

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 11/02/12