SOBRE UM MOMENTO DE CRIAÇÃO
SOBRE UM MOMENTO DE CRIAÇÃO
Ana Paula está fazendo bonecos de barro. Molda as estatuetas como se desejasse personificar a sua liberdade interior tão intensa e moldada por argamassas de ferro fundido. Ninguém lhe ensinou. Um dia, resolveu, em estado de graça, no sétimo dia de pensamentos e reflexões Nietzschianas criar personagens. Ela sabia que não era nada novo pois alguém já havia feito isto antes, numa extraordinária metáfora de criação.
As formas insipientes dos seus personagens são de uma beleza que não é permanente nem definitiva; É eterna. Na impossibilidade de soprar-lhes vida, como fez Michelangelo com o cinzel e o Outro com o sopro, transfere o seu encantamento.
Contemplando, silenciosamente, o seu trabalho eu vejo os dedos ou a espátula como fontes de energia transferindo para o barro a meditação, a oração e a criação de quem tem a certeza de que a sua liberdade não existe no mundo exterior. Somente ali ela se liberta, de modo breve mas deslumbrante. A liberdade de Ana Paula vem somente de dentro. Gostaria de ficar horas observando os seus silêncios. Não posso. Então pergunto-me: - Onde será que ela consegue tanto barro? Não o barro argila que em qualquer margem de rio pode-se achar, mas o barro argila sopro de vida, pulsações. Passei uma semana inteira refletindo sobre isto. Viajei intensamente nas incertezas das suas inquietudes e descobri; Ela escorrega nas margens dos seus rios interiores e, sem saber que eu a descobrira livre, escala as margens dos seus rios e retira com as unhas da alma um barro exclusivo, moreno, maleável, pastoso e incrivelmente pulsante. Seu semblante sereno diz-me, silenciosamente: “Ninguém vai me impedir de fazer esta massa de barro”. Aqui sou rainha, humilde, altruísta, dependente, solidária e sábia. E continuou moldando.
Ganhei um boneco seu. Uma cabeça. Às vezes fico olhando horas para ele. Seu olhar fixo e baço penetrado no barro, me olha fixo, inquisidor e ante o meu mutismo, torna-se surpreso. Acho que ele pensa que eu sou uma estrela e decepcionado conclui que eu não sou um deus. Às vezes olha-me intrigado como se me visse uma esfinge e eu fico alegre como uma criança que brinca com um pedaço do mundo. Torna-se enigmático quando me descobre uma menina fazendo coisas de barro. Agora ele e um personagem do meu ideário.