CORRUPTOS MALDITOS
Certo dia, recebi um telefonema de um vereador aqui de Fortaleza.
- Um vereador? Pensei - Vixe! – Fiquei imaginando se eu tinha feito alguma charge sobre a atuação pífia de algum vereador ou se tinha criticado a administração falida da prefeita de Fortaleza.
Nem uma coisa nem outra. Logo de cara, o sujeito, do outro lado da linha, começou logo a elogiar as charges, dizendo que eu era um gênio do traço, que já era meu fã desde os tempos em que eu publicava no Diário do Nordeste, que já acompanhava a evolução do meu trabalho agora na internet e que queria encomendar umas cartilhas.
- Tu num é chargista? Tu faz cartilhas? Aquelas revistinhas...
- Sei o que é. – retruquei. – Faço. – completei.
- É que eu queria distribuir umas cartilhas com os meus eleitores... eu tava pensando em fazer umas cartilhas sobre a camada de ozônio...será que é um tema legal? Quanto é que tu cobra? Dá pra passar aqui na Câmara amanhã? Tá bom às oito horas, antes da sessão?
No dia seguinte cheguei lá na Câmara. O dito cujo me recebeu no gabinete que estava entupetado de gente de todo tipo. Depois de intermináveis abraços e apertos de mão, o vereador me chamou reservadamente no gabinete.
- Cara, tô precisando urgente fazer umas cartilhas pros meus eleitores. – inicou logo a conversa pegando uma garrafa de café e botando em cima do birô. - Eu convidei aquele outro chargista, mas aquele fela da puta me disse que não trabalha pra nenhum político. Que cara chato! Até pensei que tu nem vinha. Pelas charges dá pra ver que vocês não gostam muito de vereador. Quer um cafezinho?
- Pelo contrário, vocês vereadores é que não gostam da gente! – retruquei e ele riu amarelo. Tomou o café goela abaixo e me trouxe uma pasta abarrotada.
- Taqui, ó. Essa é a ideia que eu quero colocar nas cartilhas. – Um monte de papeis impressos da internet, com as mais diversos tipos de cartilhas.
- Eu quero essa aqui! – apontou pra uma cartilha impressa, de outro Estado. – É só a gente apagar o nome do Estado e o nome do vereador e mudar umas coisinhas...
- Só que essa não pode. Tem direitos autorais. A não ser que o senhor peça a permissão do autor. – Ele olhou pra mim com os olhos vagos. Tomou outro café. Coçou a cabeça. Estava ofegante.
- E o que é que tem, macho? – Esbravejou - Ninguém vai saber mesmo! Já tá toda pronta! É que eu tô com pressa!
- Eu acho melhor a gente criar uma cartilha mais regionalizada, com termos usados aqui no Ceará. Com problemas da Cidade. Essa aí é lá do Rio Grande do Sul. Não tem nada a ver com o Nordeste.
- É mesmo, né? – pois faça lá desse jeito aí que você falou. – refestelou-se na cadeira e tomou outro café. – Ainda bem que eu te chamei. Aquele outro chargista num sabe de nada, não! Aquilo é um baitola!
Confesso que eu não sabia a qual chargista ele se referia, nem perguntei. Tinha minhas suspeitas. Mas o fato é que o cara deixou o vereador puto da vida. Coloquei a pasta em cima da mesa. Ele já estava engolindo mais um café, falou no celular com alguém e se dirigiu a mim já mais calmo. Falou em tom conspiratório:
- E por quanto é que tu faz esse negócio? – sussurrou - Faça um preço camarada pro seu amigo véi! A gente já se deu bem de cara. Vai aparecer outras coisas pra gente fazer e já, já, começa a campanha. Quero que você faça a minha campanha! Gostei de você, cabra! – engolia já o décimo café.
- Eu trouxe a minha tabela de preço. – passei o papel. Ele olhou interessado. Demorou uns minutos. Tomou mais um café.
- Gostei dos preços! – falou guardando a tabela no bolso do paletó. – Agora tem só um detalhezinho de nada. Dá pra gente fazer um esquema?
- Esquema? Tipo o quê? – perguntei. Ele se acomodou na cadeira, engoliu outro café, passou a mão pela careca suada. Levantou-se e conferiu se a porta estava fechada. Voltou-se e servindo-se de outro café, falou:
- Você sabe, né? Tenho que justificar uns gastos do gabinete. Tava pensando se num dá pra tu me passar uma notinha fiscal de serviço com um valorzinho maior, sabe como é. Eu pago o teu valor integral e a gente faz esse esqueminha. Nem precisa imprimir as cartilhas, não. É só de agá. Todo mundo faz isso aqui. Num tem problema não. É normal. O telefone tocou. Era a secretária avisando que a sessão já ia começar. Tomou mais um café e ajeitando o paletó, falou, botando a mão no meu ombro.
- Vou ter que marcar presença lá no plenário. Num sai daí, não. Vamos almoçar comigo hoje? A gente combina o nosso esqueminha no almoço. Pode ficar tranquilo! Vamos fazer uma parceria!
Fiquei alguns minutos na sala. Era tentador. Eu tava liso e a oportunidade de pegar numa grana estava ali, à minha frente. Lembrei de uma frase de Sêneca que meu pai Nemésio Silva, que era também jornalista, sempre me dizia: “Para a ganância, toda a natureza é insuficiente”.
Saí, fui lá fora e não voltei mais.