AS VASSOURAS DAS CALÇADAS

Nesses nossos mais recentes últimos anos de História do Brasil é fato que muita coisa mudou simplesmente porque mudar é da natureza da vida inercial do cosmo.

Nada fica igual ainda que não nos movimentemos.

Todavia, nem sempre tudo muda para melhor e embora haja tantos números que nos dizem e predizem conquistas sociais louváveis, às vezes eu desconfio (peço licença a todos para apenas desconfiar) de que nem toda a realidade cantada em versos bate com a crônica da realidade que socialmente escrevemos no nosso dia a dia.

Os motivos para tal desconfiança são muitos e só não os percebe quem tem um coração tão bom quanto simplório, digamos assim.

O Brasil tem um exercício de palco democrático invejável às demais nações democráticas do mundo, é o que dizem, todavia passamos pelo alto preço de exercer uma democracia novata demais, algo um tanto populista, ainda pouco consolidada, uma democracia meio anárquica, no sentido de que, atualmente, se confunde liberdade ao povo com bagunça generalizada.

Aos poucos minamos nosso "estado de direito" mínimo à ordem necessária para se viver civilizadamente.

Embora tenhamos a Carta Magna, a sagrada Constituição Federal para ditar as regras hierárquicas da ordem e da justiça social democráticas, vivemos um exercício de desgaste constante para se fazê-la cumprir a cada instante de flutuação dos desânimos sociológicos, que hoje são muitos.

Os últimos anos de governo democrático, este que vigora, de legenda ideologicamente trabalhista e que por princípio discursa seu texto humanista de justiça social, arrumou a casa só pelo telhado, se esqueceu dos alicerces e da estrutura do todo.

Houve um "gap" de no mínimo duas gerações de "cabeças perdidas" porque não se investiu na educação, e sem investimento educacional o custo social sobe demais e a qualidade de vida desce vertiginosamente...para todos. Ninguém escapa.

Estamos socialmente infiltrados pela inabilidade e pelo desconhecimento político de como se gerenciar um megapovo de tantas potencialidades perdidas, inaproveitadas. A casa ruiu, e só depois se procura pelas causas dos desmoronamentos em dominó.

Do jeito que o cenário de hoje se apresenta não sei se alguém, por mais perito que seja na ciência de gerenciar, de fato saberia por onde trilhar para recuperar os nossos caminhos sociais esquecidos.

Mas o meu título se reporta às vassouras das calçadas. Eu lhes explico.

Outro dia caminhando pelas ruas percebi o montante de jovens varrendo as calçadas dos condomínios.

Num trecho de mais ou menos quinhentos metros eu os contei, um pouco mais que meia dúzia deles, entre dezenove e vinte e dois anos, todos funcionários dos condomínios com seus garantidos direitos trabalhistas.

E quem vai criticar um avanço desses, não é mesmo?

Se tantos e tantos jovens estão nas calçadas da drogadição...havemos de olhar para frente...e aplaudí-los.

Ali, uma vitrine de crescimento social perfeito, de fazer inveja a qualquer político: todos jovens nutridos, bonitos, na onda fashion dos smartphones, trabalhavam com seus fones de ouvidos a cantarolar, e enquanto varriam as calçadas turbinavam seus músculos jovens tatuados com a esperança da inclusão social.

A um deles, conversando, eu lhe perguntei se estudava.

Claramente desanimado com o assunto, dentro duma timidez assustadora, me respondeu que havia parado para trabalhar e que não aguentou estudar a noite vitimado pela exaustão da sua atual profissão e da dificuldade de se movimentar pela violência da cidade.

Queria ter sido jogador de futebol, mas não foi desta vez.

A história de todos é mais ou menos parecida e não é todo dia que se tira uma sorte de Neymar na loteria da vida real.

Na vida dos anônimos, é mister investimento duro de vida!

Ali, tantos jovens que varrem as calçadas poderiam sonhar mais, almejar mais, contribuir mais, realizar mais, alcançar uma perspectiva melhor de vida frente a tantos dos seus potenciais que sequer foram explorados pela educação mínima e continuada. E quem dirá que não?

São jovens e teriam todo o tempo e o todo o direito do mundo para correrem atrás do melhor, do gratificante, do fazer a diferença.

Muito triste, mas há quem comemora nossos avanços arrazoados pelo mínimo, com a métrica balizada pela linha das calçadas.

Frente ao que se vê e ao que se noticia, nosso tripé atual no qual nos equilibramos é de : megacorrupção, megaarrecadação e megaalienação.

Sem mínima educação não haverá solução para o nosso equilátero triângulo político-social.

E sem cidadania "de verdade", aquela advinda do discernimento que só a educação promove, a sagrada Democracia agonizará em sonho.

O restante é só maquiagem dos números.

São com essas "vassouras das calçadas" que aos poucos varremos nossas esperanças de, a curto prazo, vermos a Democracia se reverter a nosso favor, para o tão sofrido povo brasileiro.

Muito há que se varrer do nosso atual "status político" para que nos consolidemos como Nação em crescimento e com VERDADEIRA justiça social.

Até lá muita poeira vai se levantar sob as nossas vassouras...na aridez muda das esquecidas calçadas.