Wanderlust. 1. Não preciso de Mega-Sena.

Tenho meus olhos no chão agora. A mochila está cheia, com itens um tanto curiosos: roupas usadas, um bule de café velho, um cantil com apenas dois dedos de água, um iPhone com bateria solar (afinal, um pouco de luxo não faz mal a ninguém) e um lençol, já um tanto surrado. Mas, mais do que isso, cheia de ideias. De lembranças. De alegrias? Bastante. Sofrimento? O quanto foi necessário.

Tenho meus olhos no chão, mas se olhasse para a frente, veria o tamanho da estrada que ainda se colocava diante dos meus pés, esperando para ser trilhada. O horizonte era distante, tão distante, e muitos destes horizontes ainda viriam antes de colocar os pés no meu destino final. Porque não havia destino final. A estrada é um rio, e o único mar no qual ela acaba é a morte. Eu não preciso de um fim, tudo o que eu preciso é música, uma estrada sob os meus pés, e ela na minha mente e coração.

Ela? Quem é ela? Ela espera muitas milhas à frente, mas já posso vê-la aqui mesmo. Sua foto, já um pouco amassada, eu lamento dizer, está no meu bolso, e dali ela não saía há bastante tempo. Mas não era como se eu precisasse de uma foto... Não, cada curva e detalhe do seu rosto e do seu corpo eram nítidos na minha mente. Na verdade, eu não fazia idéia do quão ela estaria ocupada nesse momento... Sua faculdade, trabalho, a preparação da tese de mestrado... Cara, ela devia estar passando poucas e boas, penso rindo enquanto tomo um pequeno gole da água já escassa do cantil.

Agora não estou muito longe... Não creio que vá andar muito mais que 8 horas, mas mesmo assim decido parar naquele motel na beira da estrada... Um dia não faria tanta diferença assim, afinal. Com o pouco dinheiro que me restava, comprei um sanduíche e algumas garrafas de água mineral, que tive que enfiar na mochila já sobrecarregada. Tomei uma boa ducha e aproveitei para dormir um pouco, afinal, viajar à noite por aquelas estradas era suicídio, praticamente.

Mas agora, pensando bem... Com os olhos fixos no teto do quarto de motel, passa pela minha cabeça que amanhã não era bom o bastante. Pego o celular, mando a costumeira sms da meia-noite (e fico rindo, pensando como ela nem imagina que eu ainda lembrava muito bem daquela promessa feita há tanto tempo, e que estava tão perto de cumprí-la) mas entendo que também não seria o bastante. Irônico como a mente humana trabalha... Já fazia tanto tempo que eu a tinha visto, e agora eu não conseguia aguentar nem uma noite de descanso por pressa, pressa que só aumentava.

Pego a estrada às 3 da manhã. Perigo? Porra... Nem me fale. Mas faltavam menos de 50km, e não passaria de hoje. Andei, andei e andei, o cartão de memória do iPhone já devia ter arranhado em "Wish You Were Here", porque eu não conseguia ouvir outra coisa. Já podia ver os prédios da cidade, estava perto... Duas horas, e eu estaria lá. Já corria como uma criança, acabaria chegando lá sem fôlego.

Bem, não foi exatamente difícil chegar à cidade, nem de ir até a rodoviária e esperar o ônibus certo. Difícil mesmo era manter uma cara-de-pau boa o suficiente para entrar num ônibus, na hora do rush, suado que nem um filho-da-puta, e principalmente, acalmar o coração, que insistia em pular como louco.

Desço do ônibus, e não é muito longe do apartamento. Vou até lá, digo ao porteiro que vim entregar umas pizzas (não sei como diabos aquele homem conseguiu acreditar nessa história, mas enfim), e subo até o andar correto. Como eu já esperava, ela ainda não havia chegado do trampo, e a chave reserva estava entro do estofado do carpete (previsível? tsc tsc), então entro e, tranquilamente, jogo a mochila no sofá e vou tomar um banho.

Depois do banho, vou até a cozinha, pego um Danone que estava na porta e mato um pouco da minha fome. Depois de procurar um pouco, acho o Charlie e começo a tocar um pouco, para matar as saudades... Como fossem 5h, e ainda fosse demorar pelo menos mais umas duas para que ela chegasse, pego o colchão (obviamente, afinal fazer essa bodegagem toda na casa e ainda deitar na cama seria muita sacanagem), deixo o Charlie ali por perto e vou tirar um cochilo. Talvez não soubesse o quanto eu estava cansado, mas o fato é que eu não acordaria tão cedo quanto pensei que fosse acordar.

Mas finalmente, quando acordo, qual não é minha surpresa. Lá está ela, com a cabeça apoiada no meu peito, dormindo um sono tranquilo. E o Charlie ali por perto, como que dando uma bênção silenciosa... Não posso negar que algumas lágrimas me vêm aos olhos, afinal, essa cena era bastante familiar pra mim... E por nada no mundo eu a estragaria. Ali fiquei deitado, até que ela acordasse. E, como todas as vezes, não precisamos de muito mais que um olhar para dizer muita coisa. Aquela troca de olhares estava matando tanta saudade acumulada, cara...

Bem, eu não preciso descrever como foram os dias nos quais continuei por ali. Também não preciso dizer que não arredei pé até que pudesse levá-la comigo. Esperei um bom tempo, inclusive... Afinal, o que são algumas semanas pra quem se orgulha tanto de ter uma Sra. namorada? Sim, ela terminou o mestrado, com louvor, e eu estava lá para ver, aplaudir e beijá-la, e devo dizer que poucos são os que conseguem falar "Parabéns" ou qualquer outra palavra no meio de um beijo tão caloroso.

Mas no final, a estrada não podia esperar mais. E lá estava eu, com minha mochila ainda mais cheia de lembranças e roupas velhas, mas eu já não olhava para baixo. Nem para a frente. Porque eu tinha tudo, TUDO o que eu precisava, bem do meu lado.

No final das contas, aquele apartamento em Ibiza nem parece tão grande agora...

Jhonata Luís e Isabelle Medeiros
Enviado por Jhonata Luís em 10/02/2012
Código do texto: T3490428
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