Crônica de Inverno (08-04-08)

Só o pala de um vivente desgarrado do pago abriga mais que uma saudade. Nostalgia? Que poderio tem sobre nossas vidas? É estilo, cruz ou carma? Condicionamento momentâneo... Não! Não posso crer nesta efemeridade. É tão servil curvar-se a individualidade saudosista do amor, destes que vem de dentro, destes que arrebatam a alma campeira, mesmo na capital.

Estou tão longe da querência, contudo, me sinto próximo a teus apegos, a teus mimos e encantos que jamais perecem, teus prados, teu céu, teu solo onde tudo cresce, já que um dia os anjos do céu sorriram e me disseram “alma de gaudério”... Como filho do teu santo solo, certo dia sorriu para mim e me disseste meu filho. Pai, aqui estou, retorno ao teu seio bendito e espero acalentar o suor de minha fronte e o pranto profundo de minha existência, oportunidade mundana e profana de reviver-te, reconhecer-te, sentir o minuano tão fresco e o orvalho fino de tuas noites que são lágrimas de meu pai...

Ó pai ouve minhas súplicas! Reúne ante ti tua ovelha frente tantas e circunda ao teu cajado. Filho legítimo de tua tradição, braços abertos sobre o dia mudo que silencia este presente de aurora. Tradição...palavra tão pia, maiúscula de gênero e grau, que alude o sangue herói de antepassados que dilaceraram esta nação grandiosa. Neste flete valente hasteei nossa bandeira, e com meu cusco amigo vou sentar-me na varanda e abrandar aquele que pulsa...

Terra de Bento Gonçalves que sonhara Garibaldi! Cada gota do teu mar é sinônimo de minhas lágrimas, que outrora deixei. Cada olhar de tua face espelha o dilema de minha vida, em cada dia, em cada segundo. Acudamos a tua glória! Sejamos fiéis a teu passado e traçamos reverências ao extremo do Brasil! Por que tanta devoção? Afirma-se e questiona-se o inexplicável... É nato do gaúcho. Somos berço e somos fruto e para a terra haveremos de regressar. Retroalimentamo-nos da essência do ser e do viver perene... e peregrino...

Só este coração dilacerado descreve por ti pelo que vive de tua memória. Certo dia me contaste, pai, de uma guerra. Marcada esta pela liberdade, igualdade e humanidade. Foi o vinte de setembro o precursor da liberdade! Sirvo à tuas façanhas de modelo ao penhor de minha própria pele! Marcada pelo esplendor de ser teu milésimo, milionésimo, tanto faz! Quero apenas sentir este devaneio, regar o cálice de tua mesa que transborda e sorver o néctar real desta verdade.

Neste mesmo dia coroaste meu destino. O exilar. Não no sentido de expatriar, mas no desafiar. Tupiniquim de existência ou europeu de longa data, somos unos enfim! Por fim, se existem lágrimas são incertas, pois o atlântico reúne todas em delicadas expressões de luxúria, de desvario insano, de tantas razões infundadas de teus dilacerados...

Voa Rio Grande, voa alto, pois meus braços precisam tocar-te, quero deleitar-me em teus afagos e ouvir novamente tua voz a cantar cantigas de ninar, a me conduzir como menino na doçura de tuas terras. Quero inspirar tuas flores, degustar de tuas parreiras, lavar teus pés... São raízes axiomáticas que retomam este pavilhão transversal a qual me curvo.

São lágrimas do Rio Grande, todo tempo, cada espaço, cada canto que recorde este nascer! Sou pequeno pai e não sei viver... Recorro a estas fotos tão antigas e presencio o que foi ontem no cair do dia. Não consigo levantar-me, dá-me a mão! Dar-te-ia a alma pois a ti pertence mesmo! A cada despedida deixo um pedaço de mim... Porque isso tem que se repetir? Porque tamanhos fundamentos sem sentido?

É mais um filho que se perde, é mais uma alma que se vai sem ao menos sentir tuas mãos... Faça um gesto, um suspiro, basta isto! Retomar esta rotina é tão árduo e pesaroso, todavia em ti, premio e cintilo meu peito de medalhas, pois és meu pai! Este filho não é pródigo, traz os louros da vanguarda! Sonhadores, bravos guerreiros, somos guardiões rumo ao norte! Todo ouro, todo incenso, todo afã são para ti! Quanta loucura somos capazes de provocar e suportar... quantos extremos algozes cairão sobre nós? É este verdugo que aponto – sou eu! Mas que blefe! Maldito! Não... contra aqueles que se oporem a ti!

Quem será capaz de cravar o punhal em tanta glória? Sentimento de perfídia afaste-se de mim! Felonia tardia que jamais merece clemência! Castiga essa malta sobre o denso frio de tua campanha! Súcia de imperialistas! Acalma... Abranda teu coração...

O gorjeio do quero-quero fala mais que parcas linhas! Que São Pedro regozije com tamanha devoção! E abençoe toda virtude deste povo que não é escravo!

É este ambiente de astúcia intelectual que me pertence. Foi esta a criação motivadora que me destes. Foi este despertar da tênue massa que presenteastes ontem e hoje. E é ela que agradeço, que me calo e que respiro... Até o último suspirar dessas entranhas... Não vá sem mim pai... Estou aqui... segue teu rumo... E escuta meu ressonar.

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