Mães meninas
Aproximando-se o Carnaval, me veio à mente um texto que cometi no século passado. Nenhuma surpresa vinda de quem, como eu, caminha na contramão do que proclamam os iluminados da mídia. Há tempo, me conformei em ser a voz discordante, o grito estéril que ninguém ouve. Não vejo necessidade de reformar o que pensava na época. Que era o seguinte:
Estimativas do Ministério da Saúde indicam que um milhão de adolescentes engravidaram em 1997. Nunca houve tamanha incidência de gravidez em garotas com idade entre 10 e 19 anos. Em cada três meninas de 19 anos uma já é mãe ou está esperando o primeiro filho. Metade desses bebês não foi desejada.
Em 1993, só nos hospitais conveniados com o SUS, foram feitos 26.505 partos de mães com menos de 15 anos. Em 1996, o número chegou a 31.910. Aborto, AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis também aumentaram de forma assustadora entre adolescentes. De 1990 a 1996, a AIDS por contágio sexual cresceu 200%. Os dados são da grande imprensa. Podem ser lidos em qualquer jornal.
Um congresso de psiquiatras reunidos em São Paulo, no final de abril de 1998, denunciou o “excesso de erotização da sociedade brasileira, estimulada pelos meios de comunicação”. “Os filhos não beijam as mães. Lambem. É como veem na TV”, afirma uma psiquiatra. Segundo outro, “a mídia faz parte do ‘pacote de estímulos’ promovendo o amadurecimento precoce do corpo”. Pais, médicos, psicólogos e educadores confessam-se em pânico.
Sexo passou a puro instrumento de prazer, incentivado sob todas as formas e desvinculado de qualquer responsabilidade. Garotos e meninas são estimulados a satisfazer seus desejos, pouco importando o que venha a acontecer depois. Impressiona o número de “pais-avós”, obrigados a assumir bebês concebidos pelas filhas muito novas e despreparadas para a maternidade.
Há muito, a mãe deixou de ser inspiração de poetas e cantores. Foi monopolizada pelo comércio. Dia das Mães é sinônimo de aquecimento da atividade nas lojas. Só perde para o Natal. De rainha do lar ela passou a promotora de vendas. A volúpia insaciável do lucro desconhece limites. Vende até a mãe.
Sinal dos tempos. Sofremos a dominação do mercado, deus da sociedade de consumo. Não por acaso os templos da nova religião são shoppings e bancos. Sem rosto nem pátria, os novos pregadores conhecem apenas um mandamento: lucrar sempre e sob todas as formas. Engrossa sem parar, desde a idade mais tenra, a multidão de seus fieis. Consumir tornou-se exigência vital, a ponto de trazer angústia para quem não consegue atender à febre compulsiva de comprar.
A ganância consagra o individualismo, exacerba o desejo de ganho rápido, provoca a fissura de viver intensamente explorando todas as oportunidades de vantagem imediata.
Por imaturidade, as maiores vítimas, como sempre, são crianças, adolescentes e jovens. Ensinados a encarar a vida pela ótica da obtenção de vantagem imediata e sem esforço, atiram-se de cabeça ao que imaginam trazer rendimento certo e felicidade sem custo. Como lhes falta capacidade de análise, sorvem facilmente o mel oferecido na hora, sem presumir a amargura que sobrevirá depois.
Por toda a parte se encontram falsos amigos e picaretas sem caráter – travestidos de comunicadores, comerciantes, psicólogos, conselheiros, educadores ou orientadores espirituais – que não sentem o menor escrúpulo de se aproveitarem da inexperiência dos ingênuos clientes. Quase nunca os pais conseguem competir com os abutres que rondam seus filhos e filhas. As consequências são conhecidas. E arrastadas pelo resto da vida.
Que motivo podem achar mães meninas para festejar o Dia das Mães? Que espera da vida uma garota que, há pouco, largou a boneca para acalentar uma criança gerada no próprio útero? Alguém calculou que futuro se esboça para filhos concebidos em aventura irrefletida e momento impensado?