O PODER DO PAI NOSSO

Sempre me pautei pela lógica quando no mister de realizar qualquer atividade por mais simples que ela possa parecer.

Era uma tarde de domingo e eu estava indo para dar continuidade a uma missão quase impossível.

- Este filho de uma puta, ao sair da cadeia, precisa perdoar o português que atirou nele, pensava cá com meus botões enquanto me dirigia a penitenciária de Campinas. Meu trabalho junto aos presos em processo de pré socialização já durava nada menos que dois anos.

- Preciso persuadi-lo a não cometer este crime!

Meus pensamentos divagavam soltos enquanto a largos passos caminhava em direção ao presídio; Continuava absorto, remoendo minha cachola com o objetivo de descobrir uma estratégia de comunicação eficaz, utilizando recursos lógico-racionais para induzir aquele infeliz a não concretizar seu louco intento.

- Mas o que poderia realmente fazer eu, para demover deste imbecil a vontade insana de ver a sangria do português? Pensava quase alto enquanto caminhava.

José, nome fictício, cumpria uma pena de deis anos condenado por assaltos violentos, pequenos furtos, por tentativa de assassinato e agressões violentas. Apresentava-se, a primeira vista pelo seu comportamento nada recomendável, com distúrbio mental grave caracterizado por um desvio de caráter, ausência de sentimentos genuínos, frieza, insensibilidade aos sentimentos. Uma titica de galinha mesmo! Parecia, no seu conversar, com transtorno de personalidade anti-social. Nas suas propostas futuras eu o considerava como perverso.

Cheguei e logo fui entregando as coisas básicas que ele tinha solicitado na última visita. Agradeceu-me, guardou o recebido e iniciamos o nosso papo costumeiro dos domingos.

Enquanto me envolvia no conversar costumeiro veio-me, num estalo, uma forma de persuadi-lo.

- Você conhece a oração do pai nosso? Perguntei de chofre a ele.

- Sim, já ouvi falar, mas nunca rezei esta droga. Falou-me com desdém.

- Quer fazer a experiência? Medrosamente perguntei.

- Não acredito muito nisto não, mas para passar o tempo...

Fui então recitando, frase a frase do pai nosso, comentado cada passagem. E ele, com ar incrédulo e desconfiado repetia comigo. Quando chegamos à segunda parte em que eu rezei e pedi para que ele repetisse: Perdoai-me Deus da mesma maneira em que eu perdôo o português.

- Ah! Isto eu não repito não! De pronto, levantando-se do local falando colérico para mim completou:

- Aquele filho de uma puta vai morrer quando eu sair daqui. Eu já estava caído, quase morto e ele descarregou a arma em mim! Vou fazer o mesmo com ele!

- Pense bem! Supliquei. Você é um cara feio e mal encarado e por esta razão o português apavorado fez o que fez.

- Só rezo a primeira parte! Sentenciou resoluto.

No assalto que ele tinha feito à mercearia do dito português acabou levando a pior, pois o lusitano sacou da arma e acertou um tiro que o derrubou de chofre, não bastasse isto, descontroladamente descarregou a arma acertando todos os tiros no seu esqueleto já desmaiado no piso. Nenhum tiro foi o suficientemente necessário para matá-lo. Foi arrastado pela polícia e preso sem antes passar por muitos dias no hospital em recuperação. As perfurações provocadas pelas balas deixaram marcas horrivelmente registradas em seu corpo esquelético. Pelas costuras mal feitas imaginei que a arte foi executada por um medroso aluno, calouro do primeiro ano de medicina, ou então, por um ensacador de batatas realizando a operação de costurar a embalagem. Olhando aquelas cicatrizes falei a ele muitas vezes:

- Você é um cara privilegiado, disse tentando convence-lo.

- Como privilegiado? Perguntou-me curioso.

- O médico que fez isto em você era um estudante de medicina que tinha medo de cortes, de sangue e de realizar cirurgias e hoje ele é um grande cirurgião. Graças a quem? Graças a você.

Ele parou a um canto e permaneceu em silêncio. Voltou-se para mim e sentenciou:

- Só rezo a primeira parte do pai nosso e quando sair daqui vou mandar o português pros quintos dos infernos.

Jamais consegui que o desgraçado rezasse a segunda parte do pai nosso. O filho de uma puta era teimoso e persistente. Tinha como meta liquidar o português.

Minhas visitas continuaram por algum tempo sem que eu tivesse o sucesso de demover daquele trancafiado o desejo ardente da vingança. Por motivos particular e desmotivado acabei abandonando este trabalho social. Fiquei bastante triste e decepcionado com o meu insucesso. Minha estratégia de convencimento tinha sido inútil, pensei eu; e por certo o português brevemente irá para a fita.

Passaram-se alguns anos.

Numa tarde qualquer, andando despreocupadamente pela Avenida Francisco Glicério de Campinas ouço uma voz, quase gritando:

- Seu Mario!

Fiz rapidamente um giro no meu tronco e identifiquei no meio da multidão um cara que sorrindo se aproximou de mim

Bem mais próximo aquele indivíduo fez a pergunta.

- Você não está me reconhecendo?

Olhei demoradamente, verifiquei os guardados de minha memória. Será algum aluno? Tenho tantos! Briguei com meu arquivo, consultei meus neurônios no hipocampo e não pude identificar ninguém e respondi:

- Não, não sei quem você é.

Ele olha fixo para mim, sorri e diz:

- Vou te dar uma pista! Muito alegre concluiu. Eu sou aquele que se negava a rezar a segunda parte do pai nosso, lembra-se?

- Meu Deus! Pensei. Este cara está solto e deve ter feito o serviço no português. Criei coragem e perguntei:

- Matou o português?

- Não, seu Mario, eu rezo a segunda parte do pai nosso.

Não pude conter a emoção; abracei de imediato àquele cara e duas lágrimas indiscretas correram felizes pela minha face.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 08/02/2012
Código do texto: T3486422
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