O poder do Diamante

Ainda que a frase “nunca fiz isso” esteja rareando a cada dia que passa em minha vida, mesmo assim há um sem número de nuncas a serem estreados. Recentemente, em viagem para lugar propício – montanha, campo, natureza – fiz mais uma coisa que jamais havia feito em minhas tantas primaveras: andar a cavalo.

Muitas já haviam sido as oportunidades, convites dos quais sempre declinei por, digamos, respeito àquele animal lindo cujas qualidades tanto admiro: porte, aparência, elegância, altivez, liberdade, relação direta com a metade posterior do meu signo solar... Mas desta vez, julgando que havia chegado o momento de fazer cair por terra mais um “nunca” - mesmo com imenso receio de também eu cair por terra - cedi aos apelos daqueles pelos.

Diamante era seu nome. Um cavalo de cor indefinida entre o marrom e o acinzentado, bonitão, com grandes olhos redondos e pacíficos. E, segundo os tratadores, especialmente dócil para aqueles que, como eu, se aventuravam pela primeira vez nesse tão ancestral meio de transporte. Lembrei de meu avô, altivo sobre seu cavalo branco (era branco? Se não era, ficou bem nas minhas memórias), galopando com uma confiança tamanha que me fazia imaginar que andar a cavalo era a coisa mais natural e automática do mundo!

O que se seguiu foi patético. Complicado subir naquele ser altivo (e alto!)... Estranho comandar um animal tão poderoso. Não conseguia fazer o cavalo se mexer. Deram-me uma vara para que eu batesse em seu lombo, mas meu amor pelos animais, a compaixão pelo seu cansaço de um dia inteiro de serviços a turistas insensíveis e, claro, a paúra de que ele quisesse se vingar da minha violência, me impediam de castigá-lo. Assim, percebendo o quão longe eu me encontrava de ser uma amazona, ele, instantaneamente, fez o que todo ser superior faz ao inferior: passou a me comandar.

Conseguimos andar um pouco, com o incentivo dos seus tratadores e seguindo o cavalo que meu acompanhante tão natural e garbosamente cavalgava. Nós nos encontrávamos no limite da parte urbanizada da cidadezinha, mas Diamante queria porque queria voltar ao seu estábulo. E eu, estática sobre ele, com as rédeas frouxamente seguras em minhas mãos reticentes, nada fazia além de me espantar com a vista ao longe, pois sentia-me nas alturas. E assim Diamante, na ânsia de descansar em suas acomodações, fez uma curva inusitada, subiu num canteiro de flores e entrou direto num posto de gasolina.

Apesar do receio de que Diamante finalmente desse vazão à besta sob seu manto de ternura, dando um pinote e derrubando aquela incômoda massa amorfa montada sobre ele, eu só conseguia rir de minha própria letargia. E comentei em voz alta aos frentistas, que olhavam espantados: “Ele precisa abastecer!”

Não, não era isso, Diamante só entrou no posto para dar a volta e rumar para seu estábulo. Os tratadores bem que quiseram, mas eu não deixei que o trouxessem de volta para me levar para o bucólico passeio; estava com pena daquele pobre escravo do turismo. Pedi que o deixassem voltar para casa. Para mim, o passeio havia sido suficiente para que mais um “nunca” tivesse sido riscado da minha lista. Se eu já andei a cavalo? Claro! Foram os metros mais divertidos, apreensivos e inusitados da minha vida.

E aprendi o real significado da sigla HP, ou 'Horse Power': como a maioria das traduções, é mal feita. Não seria cavalo-vapor, mas literalmente “o poder do cavalo”. Diamante tinha muitos HPs. Era sem dúvida um ser mais poderoso que eu.