A descida da serra
(Texto reeditado)
Férias em Caraguatatuba demandavam preparativos especiais. Era preciso levar tudo. Até comida. Lá não se encontrava leite fresco com facilidade, nem carne bovina. Nos pobres mercadinhos o que havia mesmo era peixe em profusão. E bananas. Carregávamos, então, um sortimento de latas de leite condensado, sacos de arroz, feijão, farinha, batata, café... Tudo isto, mais roupas de cama, toalhas de banho, malas, bolas, bicicletas... Não cabia no carro. A enorme bagagem e algumas crianças seguiam num jipe com reboque atrelado.
Até Paraibuna a viagem transcorria calmamente, o único susto acontecia diante do cemitério da cidade. Já conhecíamos os dizeres acima do portão, mas quando ali passávamos líamos em voz alta, com entonações soturnas: “Nós que aqui estamos por vós esperamos”. Achávamos que os fantasmas não gostavam de crianças contentes a caminho da praia. Tínhamos certo receio de que nos seguissem, invisíveis...
Logo adiante, já nos esquecíamos deles ao parar numa prainha à beira do rio. Era a hora do pique-nique. Comíamos sanduíches e brincávamos um pouco com as mãos na água fria.
A pausa não podia se alongar, tínhamos chão pela frente. O pior trecho a transpor, a descida da serra. As curvas causavam transtornos a todos. O motorista devia ficar muito atento. As crianças se jogavam umas por cima das outras a cada virada. E davam risadas estridentes. Ou então brigavam.
Em meio à balbúrdia, alguns enjoavam. Era preciso parar e colher folhas de erva-cidreira. Apertadas nas mãos, elas exalavam um perfume gostoso que acalmava estômagos. Mas cortavam os dedos!
Logo nos distraíamos olhando a paisagem. O Pico do Papagaio sempre nos impressionava. Depois, prestávamos atenção para ver quem seria o primeiro a enxergar o mar lá em baixo. Quando o descobríamos, que maravilha!
Alguns carros nos ultrapassavam e nestas horas uma nuvem de poeira se formava. Rodávamos depressa as manivelas para levantar os vidros. Tia Maia, que às vezes ia conosco, usava máscara para proteger o nariz. Deste modo chamava a atenção e nós achávamos engraçado o olhar espantado das pessoas. Se fosse hoje em dia, pensariam que escondíamos um ET.
Para aqueles que iam no jipe, nada a fazer, a poeira entrava por todos os lados. A diversão era ver cabeças morenas se transformarem em loiras. Fazíamos também um concurso e ganhava quem tirava do nariz a bolota de barro mais perfeita. Terminada a viagem, batíamos nas costas dos outros só para ver um pozinho se levantar.
Sempre, ao chegarmos ao alto da serra, mamãe nos contava da sua primeira viagem ao litoral. Ela dizia que a estrada, mais precária ainda, terminava ali, onde alguns homens acompanhados de cavalos aguardavam os passageiros. Quem quisesse chegar à beira-mar tinha que seguir montada no lombo dos animais. Crianças pequenas iam ao lado das mães, dentro de cestos de vime.
E a caravana descia a serra, lenta e cuidadosamente, por trilhas no meio da mata.
(2005)