CORAÇÃO DE CRIANÇA

               Ah como eu sinto saudades daqueles tempos sem medo de ser criança. De ter como uma preocupação a de ganhar no esconde-esconde com os amiguinhos, de correr mais rápido, de ser o melhor no futebol ou no vôlei de rua. Aliás, a rua era a minha área de lazer predileta.
         Sinto falta das traquinagens inocentes, desde aquela de subir na árvore pra pegar frutas (e foi ali que descobri que melancias não dão em árvores... ainda bem). Ou então, aquela brincadeira de tocar a campanhia da casa do vizinho e sair correndo, com o tempo eu perdi a ingenuidade de perceber que ele sabia que era eu quem fazia isso, mas ele só dizia “tinham que ser essas crianças mesmo”.
         Eu adorava soltar pipa, rodar pião, bater figurinhas, pega-pega, queimada. Estréia nova cela... Lembra dessa? Brincadeira que a cada minuto tinha uma regra e um coitado que ficava agachado esperando todos pularem nas suas costas e ficava aliviado quando um gritava “CADA MACACO NO SEU GAAAAALHO”, e era um corre-corre maravilhoso. Foi nesse jogo que aprendi brincando que apesar das amizades, cada um tinha que ser “dono de seu próprio nariz”, ou acabava tendo que levar não só os seus problemas nas costas, mas também os dos outros.
         Ser criança deu-me forças para enfrentar os obstáculos da vida. Ou você já se esqueceu o quanto foi difícil agüentar a dor de um braço ralado, um queixo cortado, um joelho esfolado, uma perna quebrada e claro, o tampão do dedão do pé arrancado? E quando pensava que não podia piorar, lembrei que naquele tempo o Merthiolate ainda ardia... E muito.
         Aprendi muito na escola. Aprendi a ler, a escrever, a fazer continhas e decorar tabuadas. Mas também aprendi a rir dos cabelos da professora, aprendi a colar chiclete nas cadeiras dos outros. Aprendi a colar, ou melhor, escrever um bilhete para mim mesmo com o conteúdo da prova... Só pra não esquecê-lo. Pensava que a professora estava ali apenas para dedurar-me aos meus pais, dizia que ela não passava de uma “velha chata, solteirona e que não tinha nada mais o que fazer do que me ‘caguetar’.” Hoje ninguém sabe o que significa esse verbo. Eu nunca gostei de ir a sala da diretora, parecia perseguição: bastava respirar ou abrir minha boca que a professora já dizia: MENINO PODE DESCER! Será que ela realmente gostava de mim? Aprendi com o tempo e a vida, que sim. Ela se preocupava comigo mostrando-me o melhor caminho, o caminho certo para ser feliz.
         E eu sou feliz. Feliz em ter recordações como essa, que me fizeram crescer e ser quem hoje eu sou:
         Confiante, alegre, amigo...
         O que nunca posso me esquecer é que (apesar de não caber mais nas roupas do meu pai) ter crescido, dentro de mim ainda bate um coração de criança que assim como o de todas as crianças de hoje tem a necessidade de sonhar, de brincar, de pular, de cantar, de ser feliz como eu fui e ainda sou.
 
S.P. 08/12/2011

Renato de Paula Silva
Enviado por Renato de Paula Silva em 07/02/2012
Reeditado em 07/02/2012
Código do texto: T3484776
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