Confinados pela folia

                 (Carnaval de Salvador)

     Tentei ir ao centro da cidade. 
     Mas um trio elétrico de não sei quem  impediu-me de chegar lá. Desce aqui, sobe ali, corta acolá, e nada. Tudo Travado.
     Foi aí que me dei conta de que - acreditem! - já é carnaval em Salvador, e ainda faltam alguns dias pros blocos saírem às ruas. 
     É "ensaio" pra tudo o que é lado.
               ***   ***   ***
     Lamentável! Agora, até o meio-dia da Quarta-feira de Cinzas, o salvadorense terá o seu direito de ir e vir, no chamado circuito do Carnaval, criminosamente limitado.
     Muita gente, em artigos e crônicas, tem repetido que o carnaval de Salvador já precisa de um diferente e definido espaço, tendo em vista a atual realidade topográfica da cidade, e o considerável aumento de sua população.
     Um Axedródomo, ou outro nome que lhe queira dar. 
     Enquanto ele não vem, o sofrimento dos soteropolitanos ( que palavra horrível!) agrava-se cada vez mais durante o reinado de Momo.
     Nos cinco dias de folia, o morador é obrigado a conviver com barracas improvisadas e imundas na porta de sua casa; a suportar camarotes gigantes, roubando-lhe a visão e a ventilação; e o mais torturante, vê-se forçado a tolerar, e sem dar um pio, a irreverência de "foliões" baianos; e de outros Estados que aqui desembarcam com o abadá na mochila.
     O incansável e culto escritor baiano Hélio Pólvora, na sua crônica domingueira, recentemente publicada no jornal A Tarde, mostra ao Brasil como é, hoje, o badalado carnaval de São Salvador da Bahia. 
     Tomo a liberdade de transcrever trechos da oportuna crônica desse belo escritor grapiúna, ante a impossibilidade que tenho de traduzir, com minhas palavras, o que ele diz, com a precisão e a clareza de sempre.
     Em Salvador, o carnaval "reduz ano após ano a participação popular, perde aquela alegria de festa espontânea, vira evento bancado por empresários ávidos de dinheiro e visibilidade, expropriadores do espaço público."
     E segue: "Esse Carnaval tido como o melhor do País pelos energúmenos tornou-se altamente incômodo para quem habita no circuito do Campo Grande-Ondina."
     E ainda: "Dificilmente se encontrará prova maior de desrespeito à cidadania.
     Aprisionar residentes, monopolizar ruas, ocupar praias com arquibancadas e camarotes de luxo, obstar o direito à liberdade de locomoção... são sinais contundentes de sociedade primitiva, alheia por completo à cultura."
     E finaliza Hélio Pólvora: "Assim está Salvador, levada a extremos de degradação por uns poucos que fazem do Carnaval oportunidade de capitalização rápida, com a conivência de governantes."
     O escritor foi até elegante!
     Dou graças ao Senhor do Bonfim por morar na Pituba, um bairro distante do tal circuito. Por enquanto, não estou entre os confinados pela folia.
     
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 06/02/2012
Reeditado em 24/03/2012
Código do texto: T3483842