“ATÉ AS PEDRAS SABEM...”

“Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se cuida de investigar os próprios pares (...).

Gilmar Mendes – Ministro do Supremo Tribunal Federal.

O FUZIL É MAIS CONFIÁVEL DO QUE A TOGA.

A metáfora é de minha autoria [admito], mas a constatação é da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que, através do levantamento que mede o Índice de Confiança na Justiça (ICJBrasil) – 1º trimestre/2010 –, constatou que apenas 33% da população confiam no Poder Judiciário, que empata com a Polícia e ganha apenas do Congresso Nacional (20%) e dos partidos políticos (8%). Na opinião dos brasileiros, a Igreja (54%), grandes empresas e emissoras de TV (44%), o Governo Federal e a Imprensa Escrita (41%) são mais confiáveis do que o Poder Judiciário.

Segundo a mesma pesquisa, as duas instituições mais confiáveis são: as Forças Armadas (66%) e a Igreja (54%). Embora pareça infame tal comparação, não há como evitá-la: nossa realidade no caso em lide assemelha-se aos tempos medievais, onde a moral do monge (a cruz) e do cavaleiro (a espada) sobrepujava a de reis (o cetro) e nobres (a toga).

ATÉ AS PEDRAS SABEM que o Poder Judiciário não é composto por deuses, querubins, arcanjos ou quaisquer outros seres perfeitos e imortais, mas por seres humanos, tão falíveis e fadados a corromperem e serem corrompidos quanto os que compõem os parlamentos e os que despacham nos palácios governamentais e/ou outro mortal qualquer.

ATÉ AS PEDRAS SABEM que juízes, desembargadores e ministros também têm sentimentos e emoções e, consequentemente, preferências... pelo seu time de futebol, pelo seu tipo de música, pelo seu partido político e, por conseguinte, pelos seus candidatos; afinal, eles também são cidadãos e, portanto, eleitores. Isso não significa que sejam incapazes de julgar sem paixão ou tendenciosidade; mas que todo julgamento é carregado de enorme peso e simbolismo político... ATÉ AS PEDRAS SABEM. Se não é assim, por quê será que na cessão do STF que devolveu os poderes do CNJ estavam lá, acompanhando tudo de perto, ninguém menos que Michel Temer e José Sarney, o presidente em exercício da República e o do Congresso Nacional, respectivamente? Será que é porque estavam com a agenda vaga? Não tinham nada de mais importante pra fazer ou será que os caciques máximos dos outros dois poderes – que, por sinal, são advogados – também receiam correr o risco de serem, um dia, alcançados pelo brado retumbante da loba rebelde?

ATÉ AS PEDRAS SABEM que, dos três poderes, o Judiciário é, de longe, o mais elitista o mais corporativista, o mais arrogante e o que menos se preocupa com a opinião pública ou pressões da plebe, já que os seus integrantes não são eleitos por voto popular nem estão sujeitos a qualquer tipo de controle externo.

ATÉ AS PEDRAS SABEM que o elitismo e o corporativismo da magistratura brasileira (tanto o institucional quanto o liberal) é sistêmico, hereditário e hermeticamente fechado. Segundo o cientista político e pesquisador Frederico N. R. de Almeida1, a magistratura brasileira está rigidamente estruturada e ancorada em um tripé elitista formado pelas “elites institucionais, elites profissionais e elites intelectuais”.

Ainda segundo Almeida, todos os juristas desses grupos advêm das mesmas classes sociais (alta e média) e das mesmas universidades.

ATÉ AS PEDRAS SABEM que as pressões populares por um Judiciário transparente, longe de significar “um retorno à massa informe da barbárie”, como alegou em seu discurso em favor das restrições do CNJ o presidente do STF, Cesar Peluso, representam o limite da insatisfação de uma sociedade que confia mais e teme menos a força das armas do que as sentenças expedidas por aqueles que deveriam ser os verdadeiros guardiões da cidadania da nação, e não um clube de privilegiados, pedantes, arrogantes e insensíveis ao clamor da plebe, para quem a Justiça, além de cega, parece também surda, muda e manca, pendendo sua balança sempre para o lado da exígua fidalguia que desfruta dos favores dos poderosos ou dispõe de recusos para constituir bons advogados, tornando, assim, a “Pátria Mãe Gentil”, na melhor das hipóteses, numa “madastra cínica e sádica, que se delicia em devorar os próprios filhos bastardos”.

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1 Para mais informações, procure a respeito da tese de doutorado A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da Justiça no Brasil, de Frederico Normanha Ribeiro de Almeida.